Lançar uma versão deluxe de um álbum pode ser uma faca de dois gumes. Para alguns, é uma celebração de um trabalho amado; para outros, pode parecer apenas um esforço de reciclagem sem grandes propósitos. Em SOS Deluxe: Lana, SZA nos entrega um conjunto de 15 novas faixas que, embora interessantes individualmente, levantam uma questão: seria esse realmente um complemento ao álbum original ou um disco à parte que merecia um nome próprio?
Desde seu lançamento inicial, em 2022, SOS foi aclamado por sua mistura de R&B vanguardista, letras vulneráveis e uma produção impecável que flertava com diferentes gêneros. No entanto, ao adicionar essas novas faixas em uma versão deluxe, o álbum agora ultrapassa as 30 músicas, o que inevitavelmente gera um problema de ritmo e coesão. Se SOS já tinha seus momentos de excentricidade, Lana chega com uma proposta mais focada, mas acaba se perdendo no conceito de um projeto alongado demais.
Contudo, o álbum expandido, com 38 faixas no total, apresenta um desafio tanto para os ouvintes quanto para os críticos: como absorver e analisar um volume tão vasto de material sem comprometer a profundidade? Escutar 38 músicas de uma só vez pode ser uma experiência tão exaustiva quanto tentar abordá-las todas em uma única crítica. Diante disso, esta análise se concentra exclusivamente nas 15 faixas inéditas adicionadas na nova edição.
Populares na boca e no TikTok do povo, algumas músicas, como BMF e No More Hiding, mostram SZA explorando novos territórios musicais, incorporando influências da bossa nova e elementos de soul clássico. Essas faixas se destacam, mas, inseridas em um projeto tão longo, perdem a chance de brilhar como merecem. Na primeira, a faixa de abertura das novas adições, a norte-americana mergulha em uma vibração inesperada da bossa nova de Tom Jobim, mostrando a coragem de SZA em explorar territórios sonoros pouco comuns no R&B.
BMF é tão sutil quanto se espera. Com batidas suaves e vocais que se destacam pela leveza, a letra aborda temas de superação e liberdade emocional, mas o contraste entre a instrumentação alegre e as palavras melancólicas cria uma tensão intrigante.
Já em No More Hiding, SZA volta ao som atmosférico característico de CTRL, seu álbum de estreia, e aborda honestidade emocional e a necessidade de transparência nos relacionamentos. Com sintetizadores que prendem a atenção e uma batida minimalista, é um lembrete do talento da cantora em criar espaços sonoros intimistas. Apesar disso, a falta de um clímax impactante pode fazer com que passe despercebida em meio a outras faixas mais expressivas.
Faixas como Crybaby e Diamond Boy (DTM), inclusive, provam que SZA continua a dominar o R&B contemporâneo, mas mesmo essas joias acabam se diluindo em meio à duração exagerada. As contribuições de produtores e compositores de renome elevam muitas das faixas, mas o problema é o mesmo: em um álbum tão absurdamente longo, mesmo as melhores faixas parecem se perder. É como se SZA tivesse colocado seus maiores hits numa playlist infinita do Spotify e apertado shuffle.
No More Hiding, por exemplo, já dita anteriormente, foi escrita por Michael Uzowuru e SZA, com uma produção característica que mistura guitarras sutis e sintetizadores atmosféricos. Uzowuru, conhecido por seu trabalho com artistas como Frank Ocean e Vince Staples, trouxe uma abordagem intimista e cuidadosamente equilibrada, destacando a vulnerabilidade da cantora. Sua habilidade em criar paisagens sonoras é evidente.
Outro destaque é Carter Lang, que colaborou na produção de Saturn, Love Me 4 Me e várias outras faixas do álbum. Lang tem sido uma figura central no som emblemático de SZA, contribuindo com arranjos ousados que misturam elementos eletrônicos e orgânicos. Em Saturn, sua produção sonhadora e etérea, SZA teria proporcionado, se fosse concisa, um encerramento perfeito para o álbum. Ainda assim, o Grammy 2025 parece ter caído nas graças da cantora, garantindo-lhe indicações para Melhor Performance de R&B e Melhor Música de R&B.
A parceria com Rob Bisel também merece destaque. Bisel, que co-produziu Ghost in the Machine e Gone Girl no álbum original, retorna em Lana com produções igualmente complexas e cativantes. Sua atenção aos detalhes, como camadas sutis de vocais e texturas instrumentais, adiciona profundidade a faixas como 30 for 30, onde SZA e Kendrick Lamar trocam versos em uma interação dinâmica.
O reencontro entre esses dois grandes é, sem dúvida, um dos momentos mais esperados do deluxe. A faixa é um diálogo entre dois artistas no auge de sua forma, abordando o peso da fama e as responsabilidades que ela traz. Entretanto, apesar das letras afiadas e da produção impecável, falta a química explosiva que marcou colaborações anteriores entre os dois.
Em contraponto, a faixa Kitchen demonstra o talento de produtores como ThankGod4Cody, conhecido por seu papel em alguns outros hits de SZA, incluindo Love Galore. Em Kitchen, ele combina uma amostragem inteligente de Voyage to Atlantis dos Isley Brothers com uma produção contemporânea que equilibra nostalgia e uma pitada de inovação. O resultado é uma faixa agradável embora, mais uma vez, sua posição em um álbum tão extenso limite seu impacto.
Continuamos com uma das mais emocionais do pacote. My Turn é um relato cru de ressentimento e arrependimento, com uma instrumentação simples que deixa os vocais de SZA brilharem. Michael Uzowuru, novamente, cria um cenário minimalista com piano delicado e cordas sutis, permitindo que a honestidade brutal da letra seja o foco. É um tapa no coração, mas numa vibe tão pra baixo que exige o estado de espírito certo para não passar batida.
Um dos poucos pontos altos de Lana, talvez, seja sua capacidade de criar estas paisagens sonoras distintas, como em Chill Baby, que mistura elementos de hip-hop e R&B com uma produção assombrada por Sad Pony e Lil Yachty. Drive é um outro destaque, que, com versos que capturam as ansiedades e esperanças de SZA de forma crua e honesta, te convidam a pensar ainda mais sobre sua vida.
Enquanto isso, Another Life parece ser uma reflexão agridoce sobre amores perdidos e possibilidades não concretizadas. SZA se distancia de narrativas de vingança tão evidentes na antiga Kill Bill e explora temas de autoaceitação e a busca por paz interior. Contudo, parece redundante dizer isto aqui, mas o impacto emocional dessas letras mais uma vez é prejudicado pela extensão do álbum e fica difícil se conectar emocionalmente depois de já ter atravessado uma montanha russa de outras faixas.
Mesmo assim, apesar de alguns méritos e deméritos, o formato deluxe escolhido para Lana é questionável. As 15 faixas adicionais poderiam ter sido organizadas em um projeto à parte, um terceiro álbum que consolidasse a evolução da SZA em vez de diluí-la. Músicas como What do I do, Scorsese Baby Daddy e Get Behind Me (Interlude) brilham ao longo do álbum, mas mesmo suas contribuições às vezes são prejudicadas pela sobrecarga do projeto. Para os fãs, Lana é um prato cheio. Para um ouvinte casual, pode ser uma overdose. É hora de repensar o formato. Porque se tem algo que aprendemos com Lana, é que nem toda abundância é sinônimo de qualidade.
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