A ideia de expandir o BatVerso de Matt Reeves longe do comando do autor só seria arriscada se os talentos envolvidos na produção não estivessem à altura do material original. Como Pinguim prova, esse não é o caso. Na rabeira dos acontecimentos do longa de 2022, a minissérie, antes do selo Max e depois rotulada da HBO, se prontifica a mostrar a roda de Gotham em pleno funcionamento.
Isto é, sob a ausência de Carmine Falcone (aqui, papel de Mark Strong), morto. O filho mais velho, Alberto (Michael Zegen) é o sucessor perfeito, por mais que o líder do clã prometeu passar o legado para Sofia (Cristin Milioti), a menina dos olhos do pai, que por acaso passou a última década trancafiada no Arkham. As acusações são sérias: seu trabalho como Carrasco, matando uma série de mulheres, em sua maioria dançarinas do clube de strip, conferiu à mulher uma índole que precede sua chegada.
A criadora Lauren LeFranc convoca, para a primeira trinca de episódios, a direção de Craig Zobel, profissional com credenciais que passeiam por Chernobyl e The Last of Us. Na roupagem urbana desta cidade que não vê o céu azul, Colin Farrell retorna à carcaça de Oz Cobb, o personagem que dá título e norte para a produção.
A maquiagem, indicada ao Oscar 2023, continua de cair o queixo, num exercício de movimento e expressão que nunca obstrui o caminho do ator; pelo contrário, a pele falsa e as próteses são alavancas para a performance de Farrell, robusto, desafiador e amedrontador. Sua viscosidade é tão consistente quanto o andar do Pinguim, que emana suor e elementos do grotesco.
Não fica atrás, também, a maneira que o irlandês se coloca em cena, ora levantando o rosto para o embate com os demais mafiosos, ora se curvando à figura magérrima e frágil da mãe, em interpretação formidável de Deirdre O’Connell. Em The Penguin, a influência da Família Soprano está em cada esquina e ruela de Gotham, assim como na relação de mentoria que Oz desenvolve com Victor (Rhenzy Feliz), garoto que perdeu a família na enchente causada pelo Charada e passa a trabalhar para o protagonista na vã tentativa de se libertar da pobreza em que nasceu.
Oz não ajuda Victor apenas pelas habilidades e pelo caráter do menino, mas também por enxergar nele um reflexo de que ele próprio foi na infância e adolescência. Deficiente físico, Oswald sentia mais ciúmes do que amor pelos irmãos, que ocasionalmente o excluíam do cotidiano familiar. As consequências estão impressas no fundo do olhar de Farrell, que revive os trágicos acontecimentos de outrora com mais frequência que gostaria.
Entre novos mercados, drogas inéditas e a imortal intriga entre os Falcone e os Maroni, o Pinguim de Farrell se posiciona à favor da própria sorte. Se Salvatore (Clancy Brown) é carta fora do baralho quando a série começa, o roteiro logo se encarrega de apresentar ameaças que desafiam o poderio do personagem, que não é propriamente vilão, mas também está longe de ser considerado um anti-herói.
Não há maniqueismo ou simplicidade no trato narrativo, elementos que a série habilmente coopta da caneta de Matt Reeves, escultor de um Homem-Morcego absorto e soturno. Quem exalta-se na possibilidade de expansão é Cristin Milioti, o destaque máximo de Pinguim e a quem a série imprime maior carga de drama e convulsões de compaixão. Atormentada e amortecida pelos anos que passou presa, tal como o tempo que matutou a vingança que coloca em prática no fabuloso episódio 4, Sofia é a luz e a escuridão em forma de pessoa.
Conhecida pela gana em misturar humor e tragédia em produções como How I Met Your Mother, 30 Rock, Palm Springs e o episódio espacial de Black Mirror, Cristin Milioti realiza um sonho de criança e toma de supetão as atenções de Pinguim. Primeiro, é errática e irritadiça, para depois performar finitude e controle e, enfim, eternizar nos gestos passivo-agressivos seu legado, maior que o dos Falcone ou Maroni. Ela é, em todos os sentidos da palavra, uma Gigante.
O final da minissérie, coroando a ascensão do asqueroso futuro senhor do crime, posiciona as defesas para o retorno de Bruce Wayne, ausente no que se prova uma catástrofe sem tamanho na cidade que pulsa violência e desamparo. Victor fica pelo caminho de Oz, que prende a mãe no paraíso cruel que tanto prometeu. Sob a luz do luar, e do sinal que clama por justiça, o Pinguim baila sem pressa ou preocupações, ciente do lugar que ocupa na nova cadeia alimentar.
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