Em À Paisana, toda nudez será castigada

Premiado em Sundance, o drama Plainclothes integra a Competição Novos Diretores da 49ª Mostra de SP

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O procedimento é simples e segue uma ordem: de perfil sigiloso, o policial primeiro encara o suspeito; depois, sorri e acena levemente com a cabeça. O caminho até o banheiro é rápido e silencioso, e então, quando o homem entra na cabine e tira o pênis para fora, a correria dá lugar a paz e a prisão é anunciada. Em Plainclothes, Lucas (Tom Blyth) se acostumou e faz tudo no automático.

Ele tem idade para tomar as decisões que toma, mas carece do juízo em sua deliberação. Cresceu numa família amorosa, mas espinhosa, e sofre com a morte do pai de um jeito que rejeita tratamentos ou atenuadores. Seu trabalho, à paisana em banheiros de grandes estabelecimentos comerciais, é o que mantém a cabeça no lugar.

Plainclothes venceu o prêmio especial do júri para o elenco do filme na seção U.S. Dramatic do Festival de Sundance (Foto: Magnolia Pictures)

Mas Lucas é um homem reprimido: na personalidade, pouco fala ou age; no comportamento, emula o macho que aprendeu a respeitar desde cedo; na sexualidade, esconde a sete chaves o desejo sentido. E bota sensação nisso: são vários os olhares que congela, do policial com quem trabalha, analisado como uma estátua grega de proporções harmônicas, até Andrew (Russell Tovey), a vítima que acaba saindo ilesa da operação policial.

O fim dos anos 90, quando a epidemia da AIDS continuava sua longeva coleção de mortos, ambienta o filme de estreia de Carmen Emmi, um realizador que usa da fragmentada psique do protagonista como espelho visual da história. Plainclothes oscila entre a câmera errante e a resolução baixa e chuviscada de uma fita VHS muito rebobinada.

Apesar de economizar nas imagens quentes, filme leva a sério o conceito de sensualidade e faz por merecer na sequência dentro da estufa e do carro de Andrew (Foto: Magnolia Pictures)

A opressão sentida por Lucas é transpassada em carne viva na tela, com uma montagem que copia e cola momentos de tensão e vergonha como um labirinto impossível de ser derrotado. Na performance de Blyth, toda recaída é motivo de punição. E ele se flagela sempre que pode.

Em contraponto, a chegada de Andrew, na figura de ombros largos e olhar gentil de Tovey, traz o sexo como objeto de pertencimento e proteção, algo que Lucas há muito se esqueceu da sensação. Mas essa não é uma história de amor ou redenção, como o roteiro de Emmi salienta nas omissões românticas e nas decisões calculadas de enclausurar o personagem principal.

Carmen Emmi considerou ter Russell Tovey interpretando Andrew um sonho realizado, já que ele é um grande fã de Looking e não tinha certeza se o ator se interessaria pelo papel (Foto: Magnolia Pictures)

A ansiedade de ser descoberto, aliada ao medo de decepcionar a mãe, papel suculento da comumente ofuscada Maria Dizzia, tornam Lucas uma bomba-relógio. De decisões impulsivas, como usar o nome do falecido pai nos encontros sexuais, até aquelas escolhas sedimentadas pelo tempo, a exemplo do namoro arruinado com Emily (Amy Forsyth), À Paisana centrífuga um drama enrustido na figura outrora covarde do policial.

A sensualidade do ato do cruising, uma prática fundamental para o entendimento da cultura e do modo de vida homossexual e queer do século XX, é eternizada na dicotomia do medo e do prazer, levando os homens aos banheiros e, dos breves encontros, tirando a força que ajuda a manter o bom funcionamento deles mesmos. 

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