Evidências não faltam: a versão britânica de RuPaul’s Drag Race costuma espelhar-se na série-mãe – especialmente quando escolhe qual rainha será a vencedora do ano. Primeiro, um repertório de respeito; depois, a favorita da apresentadora; uma fashion queen sem igual, um embate de lendas em seus respectivos campos e uma ruiva com humor afiado. Na sexta temporada, o duelo de frescor e clássico nunca foi tão bem decantado como agora, tantos anos depois de Bianca Del Rio triunfar sobre Adore Delano.
Suas contrapartes do Reino Unido, obviamente, possuem credenciais próprias, mas a comparação é inevitável. La Voix carrega um currículo que se estende pelos tantos anos de estrada e pelas centenas de shows anuais. Já brilhou no mundo da World of Wonder quando competiu na primeira temporada do Queen of the Universe (perdeu para Grag Queen na ocasião), e até fez piada com a entrada na competição. “Como assim? Esse não é o caminho para o painel de jurados?”.
Em tempos de supremacia de Sasha Colby, a briga de Kyran e La Voix aproveitou do previsível para abrir o carretel de possibilidades da season. A Adore da vez é a metamorfose ambulante que atende por Kyran Thrax. Aos 26 anos, desdobrou-se entre o Show de Cabaré, o desafio de atuação baseado em Hugh Grant e também na pele do Rei do Rock. No Snatch Game, o combo de Elvis e Liza Minelli – perfeitamente capturada pela companheira de Top 2, resultou em uma das vitórias duplas mais emblemáticas e merecidas da franquia.
E se a edição do programa brincava de bate-bola com a amizade das duas, ainda sobrou tempo para decantar drama puro. Em um capítulo onde nenhuma delas saiu com o Badge, Drag Race UK dedicou-se a uma conversa franca entre novata e veterana. O assunto, voltado a uma relação de abuso e pedofilia vivida por Kyran, é daqueles que carimbam a relevância do programa, mesmo com quase vinte anos nas costas.
Mas quem pensa que a season 6 foi apenas o show de La Voix e Kyran está mais do que enganado. O enxuto elenco começou sua Corrida com uma celebração sem eliminações, apenas para sofrer o golpe do destino e ver Saki Yew retirada da competição depois de machucar-se no banho. Daí, RuPaul nem quis manter o protocolo e colocou as três melhores da semana em uma Dublagem pela vitória.
O episódio em questão, uma novidade na série, foi feito por quatro trios, que tinham tecidos e materiais saídos de cômodos da casa da anfitriã. Cada time deveria costurar um look para cada queen, com temas indo do coquetel ao da lady boss. Marmalade, Chanel O’Conor e Lill saíram por cima, mas não sem a tensão de cortar com faca no palco, quando a segunda acusou as companheiras de preguiça e falta de trabalho.
O’Conor evocava o melhor espírito de vilã da novela das seis, sedenta pelo drama e pelo veneno. E sobrou para todas: até para ela mesma, que foi gongada pela peruca mal colada na parte de trás da cabeça, com os cabelos naturais espiando a paisagem. Sagaz, na mesma moeda, foi a equipe de produção, que não tentou forçar narrativas já esgotadas ou maquinar embates.
La Voix, aos 43 anos, não precisou se comparar à Dita Garbo, de 48 – na verdade, nem houve tempo, já que a diva burlesca foi a primeira eliminada oficialmente (e segunda no geral, contando a desclassificação de Saki). Outro clichê do derivado europeu era o de rivalizar as drags negras. E por mais que Kiki Snatch e Rileasa Slaves sejam naturais da Santa Lúcia (tão doce quanto Saint Lucia, disse uma vez a icônica Monét X Change), o programa lidou bem com a questão.
Na estreia, ambas foram elogiadas pelas diferentes visões de um look baseado na ilha caribenha. Rileasa, rebatizada por uma RuPaul indisposta a dizer seu nome completo, venceu o Desafio dos Grupos Musicais, temático de Halloween, com um dos versos seminais de Drag Race, ao passo que Kiki passeou pelo Bottom, sendo eliminada por uma enérgica Actavia, ao som de David Bowie.
A queen mais nova do elenco, Actavia é natural do País de Gales e trouxe a cultura até o Ateliê, falando no idioma natal na entrada, vestindo com carinho o símbolo da bandeira e até interpretando-o no Snatch Game. Acabou, pelo elenco carregado de star power, eliminada no Top 7, no Lip Sync mais memorável e singular do ano. Time Warp, cantada pelo elenco de The Rocky Horror Picture Show foi dublado por duas drags vestidas de Princesa Diana na passarela que homenageou a falecida diva do povo.
Tal evento, de magnitude queer além da escala contábil, aconteceu após um Rusical temático de divas (e divo!) do Reino Unido. La Voix acumulou o terceiro Broche seguido, enquanto Marmalade deu o sangue como Elton John, mas ficou na vontade. Kyran, no terceiro personagem masculino que interpretou na temporada, foi igualmente elogiada. E quem descredibiliza a ideia de drag kings em Drag Race, já passou da hora de incluí-los nos elencos e desfrutar de suas visões artísticas.
No Desafio do Makeover, o clima ameno com a presença dos familiares foi palco para diversos momentos marcantes: Voix La, pai de La Voix, desfilando in drag aos 78 anos; Just Jam, mãe de Marmelade, presenciando a primeira vitória da filha; além, claro, do parceiro de Kyran, da mãe de Charra, mãe de Lill e irmã de Rileasa vivendo o afeto e o brilho, marcas registradas da temporada.
No último Desafio, as queens fizeram um Roast temático de palhaços, quando La Voix venceu o quarto broche e parecia imbatível. Lill se despediu, Kyran e Marmelade receberam críticas mistas. Rileasa sobreviveu a mais uma Dublagem, encaminhando a Corrida para a Grande Final.
Ginger Johnson bateu papo no Ateliê e passou a Coroa, risonha e hilária. No palco, as finalistas escreveram versos para uma brega canção original, e depois foi a briga pela Coroa: Kyran e La Voix ao som de Queen, no que parecia uma decisão óbvia e sem surpresas. Claro, RuPaul seguiu a outra via e coroou a jovem. Tantos anos depois de Adore perder, Bianca ganhar e um empate ter sido gravado mas nunca exibido, as cartas mudaram e, para manter-se misteriosa e atual, a dona da franquia resolveu uma questão sem solução simples.
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