Doom: The Dark Ages é metal polido e afiado

O brucutu original dos videogames retorna para mais uma cruzada contra as hordas infernais

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Cena do jogo Doom: The Dark Ages. A perspectiva é em primeira pessoa. Na nossa visão, seguramos um escudo com uma serra dentada na borda na mão esquerda e uma arma na mão direita. A arma é larga, contendo um crânio humano marcado com uma runa na testa, em frente a um rolo compressor com espinhos. A boca da arma, na frente do rolo, abre possui quatro abas em todos os seus lados, permitindo que os estilhaços do crânio atinjam vários alvos. Na nossa frente, um demônio grande e gordo, de pele pálida e amarelada, equipado com braços robóticos e um objeto cilíndrico nas costas escamosas. Sua boca está aberta num rugido, deixando entrever seus dentes afiados. Atrás dele, vemos o mesmo tipo de demônio lançando uma bola flamejante com um de seus braços robóticos. À direita deles, vemos troncos de árvores queimados e, à esquerda, uma parede de rocha negra. Na parte de cima há uma ponte de pedra cinzenta.

O momento que Doom: The Dark Ages finalmente clicou para mim foi quando eu senti a necessidade de ajustar o seu nível de dificuldade. Após jogar Doom (2016) e Doom: Eternal na dificuldade normal, eu fui para The Dark Ages com a humildade de alguém que conhece a própria habilidade. No entanto, após passar por algumas fases e me acostumar com os novos sistemas do shooter, comecei a sentir que as coisas talvez estivessem fáceis demais. Sim, eu era o todo poderoso Doom Slayer, cortando as legiões de demônios como se fosse manteiga, usando a nova mecânica do escudo para contra-atacar e quase nunca precisando usar as vidas extras espalhadas ao redor do mapa, mas não sentia que estava tendo uma experiência tão prazerosa quanto nos outros títulos.

Para o gamer casual, mudar de dificuldade no meio da jogatina é um momento de nervosismo: será que eu estou de alguma maneira superestimando minhas habilidades? Mas a id Software, a lendária desenvolvedora por trás da invenção do gênero FPS como o conhecemos, adicionou diversas opções de acessibilidade em The Dark Ages por um motivo e, após algumas mortes bestas, eu achei aquilo que procurava. Em meio à estética de fantasia medieval misturada com ficção científica pulp, batalhas com dezenas de inimigos e chefões com ataques risivelmente premeditados, eu finalmente encontrei Doom. E foi incrível.

Prelúdio do reboot de 2016 que reviveu a série clássica de FPS para uma nova audiência, The Dark Ages pode ser visto como uma história completamente separada dos dois jogos que sucedeu. Milhares de anos antes do Slayer ser reanimado em Marte para fechar um novo portal para o Inferno, ele era a arma secreta dos Sentinelas da Noite, um povo que conquistou as estrelas com a ajuda de seus mestres, os divinos Maykrs. Presos numa guerra sem fim com os demônios que saltam para sua dimensão, eles aceitam a presença do Doom Slayer, apesar de serem desconfiados do forasteiro sob a guarda de seus deuses. Narrativa nunca foi o foco da série, mas o novo título é o mais próximo que ela esteve de contar uma boa história, com um elenco variado de personagens que ajudam a dar vida à sua fantasia sombria, além de um vilão de design elegante e ambições previsíveis.

Depois de criar uma das experiências de tiro em primeira pessoa mais frenéticas da história com Doom: Eternal, a id Software dá um passo para trás e, para adequar seu personagem ao período de sua história, transforma ele num tanque de guerra. Agora, ao invés do botão de esquiva dedicado, o Slayer recebe um escudo equipado com uma serra elétrica, uma arma que permite que ele se mantenha na frente dos demônios e mantenha sua defesa ao mesmo tempo que contra-ataca. O jogo não sacrifica a mobilidade de modo algum; The Dark Ages ainda é frenético à sua própria maneira, recompensando reflexos rápidos e uma mão precisa nos controles, fazendo com que cada movimento conte. No entanto, a ênfase dada ao peso do protagonista o torna uma bala de canhão em constante disparada: o mero ato de cair no chão é capaz de fazer alguns dos inimigos menores saírem voando pela tela e, apesar de não ter mais o pulo duplo, é o primeiro jogo da série nova com um botão dedicado à correr.

Se por um lado a ausência da dinâmica do título anterior causa certo estranhamento, por outro Doom nunca foi tão fácil de se aprender. Como dito anteriormente, as opções de acessibilidade estão aí para serem usadas, tanto por novatos quanto pelos já acostumados com as experiências mais angustiantes da franquia. Dessa forma, The Dark Ages te empodera para achar seu próprio nível de desafio, encorajando tentativa, auxiliado por um loop de gameplay absolutamente viciante. Se lançar com seu escudo contra um bando de criaturas e vê-las explodindo simplesmente nunca perde a graça. O jogo faz você se sentir como um verdadeiro profissional da luta livre, avançando com abandono para cima do perigo, incentivando você a ser o Slayer da linha de frente,uma força imparável contra demônios imóveis, para descobrir qual dos dois cede primeiro (spoiler: são eles).

Cena do jogo Doom: The Dark Ages. A perspectiva é em primeira pessoa. Na mão esquerda, seguramos um escudo com uma serra dentada na borda e, na mão direita, uma escopeta de cano curto prateada, decorada por runas, com dois grandes canos horizontais. Na nossa frente, um demônio grande e musculoso salta para atacar. Ele segura um escudo circular na mão esquerda e uma espada curvada na mão direita. Ele possui uma pele pálida e veste uma tanga escura decorada com caveiras pequenas. Sua cabeça possuí chifres amarelados curvos e ele usa uma máscara vermelha que mostra apenas seus olhos amarelos e brilhantes e sua bocarra. Nas costas, ele tem uma capa de pelos escura. O campo de batalha ao redor dele é composto por uma planície devastada, com ruínas em chamas ao fundo e pilares quebrados aos lados. No lado direito da imagem, uma montanha escura se ergue à distância.
Marca registrada da franquia, a Super Shotgun nunca foi um objeto de destruição tão devastador como em The Dark Ages (Foto: id Software)

A magia de Doom nunca esteve numa dificuldade subjetiva como forma de validação das habilidades de alguém como um “verdadeiro gamer”, mas sim em empoderar qualquer jogador para que ele eventualmente se sinta tentado a perseguir desafios maiores. Há dezenas de jogos difíceis por aí, mas faltam títulos com sistemas tão finamente balanceados que te façam almejar dificuldades maiores, e The Dark Ages orgulhosamente continua a tradição da franquia ao oferecer justamente isso: uma fantasia de poder baseada em te fazer um jogador melhor nos seus próprios termos.

Esteticamente, o jogo novo está disparando em todos os cilindros, servindo em cada nível algo maior e mais impactante do que o anterior. Demora apenas duas fases para o jogo te presentear com o Atlan, um robô gigante ao estilo Círculo de Fogo que o Slayer usa para derrotar gigantes do tamanho de montanhas como se fossem bonecos. Apesar de serem batalhas formulaicas que se reduzem à “esquivar e atacar”, a escala dos conflitos é belamente realizada na id Tech 8, nova versão do motor gráfico proprietário do estúdio, usado nos jogos anteriores e aqui aperfeiçoado ainda mais para reproduzir enormes campos de batalha fotorrealistas com a qualidade de textura, iluminação e taxa de frames que viemos à esperar da atual geração. De fato, os mapas estão tão abertos e cheios de segredos e colecionáveis que eu me pegava desejando que houvesse um minimapa em algum canto da tela, para que eu não precisasse ficar pausando a todo momento para me direcionar. Num jogo focado em ritmo e movimento, é uma das poucas bolas foras de seu design de outro modo magistral.

Cena do jogo Doom: The Dark Ages. Um robô gigantesco é liberado para entrar na batalha. O encaramos de baixo para cima, diagonalmente. O robô é humanóide e, em sua cabeça, possui dois chifres retilíneos e um visor azul claro. Ele é pintado com uma cor verde clara. Atrás dele, vemos uma estrutura de metal futurista que o suportava e, na direita, uma série de vitrais amarelos que se estendem do teto ao chão. Uma série de luzes circulares se acendem no teto, iluminando o robô com uma luz branca.
Finalmente jogável em The Dark Ages, o Atlan do Slayer já havia sido mostrado em Eternal (Foto: id Software)

Outra das bolas foras está na trilha sonora, agora ausente do compositor Mick Gordon, que entrou em conflito com a desenvolvedora após o lançamento de Doom: Eternal. Muito do trabalho dele nos dois títulos anteriores ajudou a estabelecer a identidade moderna da franquia que, apesar de sempre ter se apoiado nos sons do heavy metal, recebeu um tratamento inteiramente novo que revitalizou o seu apelo sonoro. Faixas como The Only Thing They Fear Is You e BFG Division servem como hinos caóticos para os momentos de clareza perfeita em que, ao jogar, você decide ser o predador ao invés da presa.

A trilha sonora de The Dark Ages, produzida pelo duo Finishing Move Inc., consegue seguir a linha estabelecida por Gordon e adequá-la à narrativa mais sombria do jogo, mas não tem o dinamismo do antigo compositor. É uma substituição apenas aceitável que nos faz desejar que a disputa entre Gordon e a id tivesse sido resolvida amigavelmente para que ele pudesse ter retornado à trabalhar com o estúdio.

Cena do jogo Doom: The Dark Ages. Serrat, um dragão ciborgue, estende suas asas. Serrat possui um elmo metálico na cabeça, com dois chifres dos lados e dois na parte de baixo da boca. Ele possui quatro patas, decoradas com partes metálicas, e uma cauda vermelha. Suas asas, estendidas até os cantos da tela em meio a um rugido, são feitas de uma malha cibernética avermelhada, espalhando faíscas e raios vermelhos pelos lados. Elas se ligam às suas costas por turbinas ligadas aos seus ombros. Nas suas costas vemos os canos estendidos de uma arma montada. No teto, vemos arcos que se assemelham às costelas de uma caixa torácica, se abrindo para um céu branco. Atrás dele, uma linha de fogo se estende pelo chão.
O nome dele é Serrat, e ele é um bom garoto (Foto: id Software)

Enquanto outras franquias contemporâneas como God of War e Wolfenstein buscaram humanizar a franquia de seus protagonistas silenciosos ao retratá-los como seres humanos em narrativas emocionalmente ressonantes, Doom chega ao ápice da mitificação do Slayer em The Dark Ages. Enquanto o reboot de 2016 já dava indícios da lore por trás do matador de demônios e Eternal expandiu ainda mais seu universo, introduzindo novas dimensões e raças de deuses alienígenas, em The Dark Ages é quando a lenda finalmente ganha forma.

Você derrota em segundos legiões de monstros que em títulos anteriores levariam vários vários tiros cada para serem derrubados. Esse é o Doom Slayer descobrindo o auge de seu poder, encarando as criaturas mais macabras que o Inferno consegue produzir usando, além de seu arsenal, uma série de armas corpo-a-corpo aperfeiçoadas separadamente para fornecer benefícios diferentes. Um exército de um homem só equipado com um robô gigante e um dragão ciborgue de estimação, o Slayer é menos um personagem e mais um avatar para que o jogador se veja como o arauto do fim dos tempos (para os demônios). Essa história de origem da franquia não vem para fornecer respostas ou introduzir perguntas novas sobre seu personagem principal, mas para criar mais uma variação radical de gameplay da série, mudando completamente a filosofia de design comparada aos jogos anteriores e ainda assim atingindo seu alvo com tudo.

Doom: The Dark Ages é o título mais acessível da franquia até hoje, tanto para aqueles que a achavam difícil demais quanto para os que desejam desafios ainda maiores. É heavy metal puro do início ao fim.

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