Se na Literatura o poder de Raphael Montes é provado por recorde de vendas, no Cinema e na TV o autor carioca ainda tem um tanto a se bancar. Apesar do sucesso de Bom dia, Verônica na Netflix, o filme de Uma Família Feliz passou silencioso pelas telonas. Agora, Dias Perfeitos ganha o pedigree do Globoplay para narrar o amor maldito entre um violento estudante de medicina e sua vítima perfeita.
Publicado dez anos atrás, o romance abusou da violência e do sofrimento de Clarice, que é algemada, violentada e até transportada dentro de uma mala. Para a versão de 2025, sob direção geral de Joana Pimenta e roteiro de Cláudia Jouvin, a atriz Julia Dalavia dá vida a uma jovem impulsiva e de olhos expressivos. Ao seu lado, o trabalho de Jaffar Bambirra como o inescrupuloso Téo é daqueles de encher a boca para elogiar.
É uma pena que, no geral, a produção desperdice todo o aparato artístico e dramático dos atores principais para ficar presa num eterno morde-e-assopra dos enlatados de suspense. Garoto conhece garota, garoto se apaixona por garota, garoto golpeia garota e dopa ela durante toda a viagem, de um rancho isolado até uma ilha deserta.

Entre as paradas, os amigos de Clarice tentam em vão alertar qualquer autoridade, enquanto as figuras maternas dialogam com elas mesmas, cientes de que seus preciosos filhos jamais se meteriam em tamanha confusão. Para toda a preguiça de direção e roteiro, Débora Bloch e Fabíula Nascimento emprestam personalidade e ebulição para Patrícia e Helena, as matriarcas que há muito perderam as rédeas da família.
Fora dali, Téo e Clarice não tem o que fazer além de repetir as cenas atrozes sobre suas distintas perspectivas. Se o objetivo era mostrar o doentio e possessivo comportamento dele, o tiro saiu ao avesso, com longas sequências que mudam, por alto, a expressão da mulher e o teor das interações. E se a desculpa é falta de orçamento ou criatividade, a série Kevin Can F**k Himself utilizou deste modelo de “duas visões” para narrar a violência doméstica e a benevolência aos olhos do agressor.

Em Dias Perfeitos, o livro repleto de coincidências e supérfluas resoluções de problemas de Raphael Montes é examinado com a lupa que os quarenta e tantos minutos extraem ao longo de oito capítulos. Gratuito, o esqueleto da história não tem para onde correr: os golpes são mímicas deles mesmos, num amontoado de clichês e lugares-comuns do suspense de encarceramento.
A direção de Pimenta drena as cenas de tensão e mesmo de picos e momentos de respiro. Tudo é atuado em fogo baixo, com quase nenhuma criação de catarse, euforia ou mesmo aflição. A morte de Breno (Elzio Vieira) acontece em off, mas todas as cenas de Clarice à beira do precipício são registradas em alta resolução.
Lançada durante três semanas, em blocos de episódios, a série reserva o oitavo como trunfo na manga. Afinal, como noticiado há bastante tempo, o final televisivo seria diferente do original, alvo de críticas pelo teor misógino que Montes carrega por todas suas publicações. Espécie de mea culpa misturado com Deus ex-machina, o encerramento de Dias Perfeitos segue a máxima da série completa: é risível e carece de qualquer fundamento.
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