Téo é um introvertido nato: detesta aglomerações, música alta e convenções tidas como triviais, como o contato físico, a troca de sorrisos e a conversa fiada. Prefere, como o leitor de Dias perfeitos descobre nos capítulos primeiros, a companhia dos mortos. Uma, em específico, é Gertrudes, o “cadáver do semestre” na faculdade de Medicina.
Fala com e sobre a mulher, uma idosa em conservação pelo formol e pelo amor de Téo, que não tem muito mais acontecendo na vida no momento. Cuida da mãe Teresa, presa à cadeira de rodas desde o acidente de carro que vitimou o pai, tolera a presença do cachorro Sansão e conta as horas para voltar ao laboratório.
Numa das batalhas banais que perde para a mãe, decide acompanhá-la a um churrasco de onde quer ir embora antes mesmo de chegar. Mas lá, sob a luz ofuscante do luar e o cheiro acre da carne que ele detesta (é vegetariano, oras), Téo conhece Clarice. Ela explode sua mente, pira o seu cabeção e planta ali uma semente que será germinada ao longo dos dias seguintes.
“Só queria que ela fosse dele, como um livro de fotografia na mesa de centro”.
Da breve troca, que envolve um selinho roubado e uma chamada telefônica, Téo esquece da influência de Gertrudes e concentra toda sua atenção à Clarice, a bela universitária, que escreve um roteiro de road-movie e está em pé de guerra com o namorado, a mãe e qualquer influência positiva na rotina.
Ele calcula sua rotina, liga para a faculdade se passando por outra pessoa e até aparece no campus. Pena que o pessoal do semestre dela já está de férias. Mas as tentativas de Teo tampouco acabam no território da faculdade. Na mente do protagonista, Montes justifica cada ação e reação, na mais racional das maneiras.

Quando Téo enfim volta a conversar com Clarice, sóbria e ciente de suas decisões, o resultado acaba em sangue. Tapete manchado, mala vazia e um livro de Lispector para sempre maculado com o líquido viscoso e pegajoso. Mas ele é um homem de pensamento ligeiro e enquadra as inconveniências num embolado plano de fuga.
Ou melhor, de férias, já que ele leva a amada, amarrotada na bagagem, para a pousada que ela iria de qualquer jeito, destinada a se isolar para finalizar o roteiro do longa. O título é Dias Perfeitos, e acompanha três amigas em uma viagem de carro por praias, pousadas e liberdade.
A escrita, infelizmente, é péssima, como Téo aprende ao ler enquanto mantém a autora algemada à cama. Assim, os acontecimentos se avolumam na chave do extravagante, pingando a violência que Montes tornou-se conhecido e celebrado por. Ganhando edição especial na comemoração de uma década de publicação pela Companhia das Letras, o romance volta ao interesse público também pela adaptação vinda do Globoplay.
“Entre clássicos e contemporâneos, selecionou seus filmes prediletos para ver com Clarice. Doze homens e uma sentença, O segredo dos seus olhos, Pequena Miss Sunshine. Pensou em incluir Louca obsessão, mas desistiu. O excesso de violência o cansava às vezes”.
Ciente dos exageros e das viradas que acompanham Téo e Clarice por locais inóspitos, com companhias folclóricas e sangue à rodo, o escritor carioca se dedica ao maquinário da suspensão da crença, com uma dupla de personagens raivosos, cavando nas entranhas um do outro o que sentem falta em si mesmos.
Repleto de referências e alusões à cultura pop que moldou a mente de captor e vítima, Dias perfeitos é lembrado justamente pela crueldade do destino, que parece de conluio com o vilão que mentora a trama. Na época das gravações do seriado, sob direção de Joana Jabace (de Avenida Brasil e Assédio), a imprensa divulgou: o final será diferente!
Faltou coragem ou ousadia? Não é sabido, já que a série de TV está algumas semanas longe do lançamento. Fato é que, no papel, o que Dias perfeitos escreve como inevitável é apenas uma amostra do pedigree de Montes, habituado a extrapolar os limites do precipício para provar pontos menos interessantes na prática do que na teoria.
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