A prova está no pudim: o primeiro ato de Wicked concentra os números mais brilhosos e extravagantes do espetáculo, além de ordenhar com calma e criatividade os acontecimentos que levam à cisão entre Glinda e Elphaba. Na adaptação de Jon M. Chu, porém, a decisão de dividir a histórias em duas metades é a chance perfeita para que o grande desfecho seja refeito à altura do potencial original.
Nos palcos, a primeira metade concentra uma hora e meia de duração, seguida por quinze minutos de intervalo e depois mais 45 minutos no ato final, com grandes passagens de tempo, elipses emocionais e viradas narrativas que acontecem à margem das coxias. Sem falar, claro, na participação escondida de Dorothy, uma figura fundamental e invisível ao derradeiro fim do reinado do Mágico de Oz.
Wicked: For Good, aqui chamado simplesmente de Parte 2, encara o desafio de turbinar sua duração, adicionar duas canções para as protagonistas e melhor concatenar as diversas pontas que se entrelaçam frente a uma audiência de coração pesado e apertado pelos desdobramentos. Mas fica a dúvida: como o musical vai lidar com as viradas, as mortes, as transformações e ainda encontrar espaço para inventar novos momentos? Aqui vão algumas teorias:

Thank Goodness: a reapresentação da audiência para o mundo de Oz, logo quando Glinda é reverenciada pela Madame Morrible e anuncia o casamento com Fiyero. O momento é dramático, à maneira de Sem Perdão à Bruxa, pela faca de dois gumes que a Bruxa Boa maneja à população. Ariana Grande terá a oportunidade de esticar os músculos tragicômicos mais uma vez, mostrando uma mulher em frangalhos que se vê obrigada e imbuída a carregar a mensagem de mentira e perseguição do todo-poderoso do local.
Wonderful: ao que parece, o dueto entre Elphaba e Oz pode se tornar uma canção em trio, ao lado de Glinda. Momento que serve de resposta do Mágico para a Elphie de coração puro em The Wizard and I, a cena também pode acrescentar mais à mitologia do homem, sua chegada na Cidade das Esmeraldas, os primeiros meses do governo e a certeza de que, para manter-se poderoso, seria necessário transformar os Animais em inimigos públicos.

I’m Not That Girl (Reprise): outro show de carão para a personagem de Grande, a reprise da canção chega quando Glinda entende, enfim, para qual lado o coração de Fiyero bate – e quem ele escolhe na árdua batalha. Como na versão de Cynthia Erivo, esta Não é Pra Mim deve movimentar internamente o senso de justiça e dever da Bruxa Boa do Norte.
As Long As You Are Mine: a canção do amor de Elphaba e do Príncipe Fyeiro é um arremate nos palcos, com a fisicalidade dos atores dando vazão para uma paixão consumada primeiro nos detalhes e depois no ato carnal. Quando Myra Ruiz sorri, agarrada ao amado, e declara a “malvadeza” correndo em seu sangue, a personagem atravessa o último dos obstáculos de sua emancipação, aceitando de maneira cabal o status que a população criou sob seu corpo. Nos cinemas, Erivo deve trazer a casa abaixo (sem piadinhas!).

No Good Deed: uma das duas músicas mais icônicas da segunda parte de Wicked, Todo Bem Tem seu Preço marca o momento em que Elphaba enfeitiça o amado e impede-o de morrer nas mãos da Guarda Real. É, igualmente, outro dos sacrifícios sentimentais dela, que já perdeu a irmã para Morrible, acredita piamente nas traições de Glinda ao presentear os sapatos de Nessa para Dorothy e também enxerga o futuro num borrão de luto e ódio. No trailer, os primeiros cânticos lidos no Grimmerie já arrepiam e arriscam mais do lado sombrio da personagem.
March of the Witch Hunters: o cântico de guerra comandado pelo Homem de Lata é feroz e violento, e também serve de apresentação das versões monstruosas de personagens outrora vistos como adoráveis e indefesos. Se no palco o Leão Covarde mal encara a plateia, o diretor Jon M. Chu tem a oportunidade de explorar cada centímetro de sua falta de desenvoltura, além de iluminar o antigo Boq na luz de vingança e pesar que a vida sem coração – e a mãe de ferro da Bruxa Má do Leste – macularam em sua anteriormente singela e simpática personalidade. É, também, a chance de expandir a mitologia dos Amigos de Dorothy, detalhando o encontro entre eles, a chegada do Espantalho e organizar um pouco da linha do tempo, à essa altura já esmagada e espatifada pela magia do Teatro.

For Good: o clímax de uma amizade que passou de vital para mortal, Tudo Mudou é daqueles clássicos do teatro musical, e com certeza vai emocionar mais do que esperamos – ao modo do que Cynthia e Ariana fizeram em Desafiar a Gravidade. Restam algumas dúvidas: será que o filme, amparado pela montagem de Myron Kerstein, vai intercalar cantoria e ação, ou vai deixar de lado a mentalidade de videoclipe e construir o momento sem atentar-se aos realismos que Chu preza tanto? Além de fechar o arco das Bruxas, For Good dá título ao filme e deve canalizar tudo que Wicked tem de mais forte: o amor descontrolado, a esperança que nasce da inveja e a mensagem de paz entre cicatrizes de guerra.
Sou eu, a Bruxa Má do Leste: a participação de Nessarose, agora a governadora da Terra dos Munchkins, é maior em teoria do que na prática do segundo ato de Wicked. Após um breve encontro com Elphaba, resultando na marcante transformação de Boq no Homem de Lata e no desbloqueio dos poderes dos sapatos de cristal, a jovem surge apenas para morrer. No filme, a atriz Marisa Bode deve ganhar mais subterfúgios no roteiro, além de mudar a semântica do calçado; no original, o sonho de Nessa é andar. Interpretada por uma atriz com deficiência, é certo que Chu e seus roteiristas irão ressignificar os dotes do presente paterno, que acabará indo para os pés de Dorothy.

Um tornado e um bode: Madame Morrible, do alto de sua avareza e preconceito, continua a espalhar a palavra do Mágico, e não guarda simpatia para Elphaba ao matar Nessa com o tornado que conjura. No trailer, Michelle Yeoh aparece manipulando o vento em uma cena fotografada em homenagem ao sépia de 1939, e a atriz deve traduzir os anos de desgosto da diretora de Shiz em uma interpretação não muito afinada, mas ainda assim singular. Idem para o trabalho de Peter Dinklage, que terá pouco a fazer como o bode Dr. Dillamond, um personagem que perde a fala e atua como última gota da paciência de Elphaba.
Paternal: Jeff Goldblum é sacana, sedutor e picareta como o Mágico de Oz, e For Good dará a ele a chance de ensaiar certa meiguice e arrependimento, especialmente no que tange à relação fraternal que ele sonhou em ter e só percebeu ter perdido tarde demais. Quem sabe o todo-poderoso não caia nas graças de uma resolução pacífica de seus feitos? Ou, como deve ser, Glinda enxotará sua comitiva fajuta para o mais longe possível!

A caipira: uma das falas mais engraçadas do musical acontece na voz desacreditada de Myra Ruiz, que acusa a Glinda de Fabi Bang de deixar os preciosos sapatos de Nessa aos cuidados da caipira Dorothy. O mistério quanto a atriz que viverá a pequena, se é que veremos seu rosto, povoa as discussões de Wicked desde antes de seu lançamento, e independente dela aparecer de corpo inteiro, com a cara de Alisha Weir ou seguir o caminho do teatro e esconder a fisionomia, será ponto caloroso de discussão na saída de sessão.
O Oscar 2026: com 10 indicações e 2 vitórias na cerimônia deste ano, Wicked volta ao prestígio da Academia com algo inédito, canções originais para Glinda e Elphaba. É a chance de Erivo, que tem um O faltando para celebrar o status de EGOT, vencer a estatueta. Melhor ainda seria se ela e Grande estivessem ambas creditadas na composição, mas isso é papo para outra hora. Fato é que, nas elipses do musical, há espaço de sobra para momentos solo das Bruxas, como o período em que a Boa acredita ter perdido tudo – a amiga, o antigo esposo, a posição de poder em Oz; ou quando a segunda, certa de seu destino, planeja a falsa morte e orquestra o balde d’água como arma do crime. Independente da resposta, o trabalho de Stephen Schwartz, duas décadas depois da estreia na Broadway, ganhará novo fôlego e ainda mais relevância e emoção.
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