Capitão América: Admirável Mundo Novo se afoga nas próprias contradições

Em retorno morno aos cinemas, Marvel persegue a sombra do seu passado de ouro

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Depois de mais de um ano sem um longa-metragem em seu Universo Cinematográfico, a Marvel retorna aos cinemas com Capitão América: Admirável Mundo Novo, o quarto título da franquia e o primeiro em que Sam Wilson, antigo Falcão, assume o protagonismo. Com a missão de revitalizar o interesse dos fãs e apontar o caminho para os próximos lançamentos do estúdio, o filme apela para o saudosismo das primeiras fases do MCU, ao invés de construir o próprio legado. O resultado é uma experiência tragicamente frustrante.

Capitão América é um personagem político, desde sua concepção. O novo filme, inevitavelmente, reflete as tensões do cenário geopolítico em que está inserido. A produção passou por mudanças súbitas de roteiro e regravações após a Greve de Atores e Roteiristas em 2023. Com a irrupção do conflito israelo-palestino, o subtítulo – anteriormente “Nova Ordem Mundial” – foi alterado para evitar associações a teorias antissemitas. Além disso, o filme parece ter um vínculo íntimo com o exército americano, o que inclui eventos de divulgação em bases militares.

Diferente da série Falcão e o Soldado Invernal, aqui não há discussão: Sam Wilson é o Capitão América e ponto final (Foto: Marvel Studios)

Mas o coeficiente taxativo foi a eleição de Trump no final de 2024, solidificando um novo período de hegemonia para a extrema-direita estadunidense. Desde então, inúmeras corporações – incluindo a Disney – têm realizado movimentações silenciosas, interrompendo políticas de diversidade e inclusão e assimilando-se aos valores conservadores do presidente. No caso de Admirável Mundo Novo, existe um esforço não apenas de humanizar figuras tiranas, como também de desatrelar a imagem de Sam Wilson à ideia de ‘herói progressista’, que tanto incomoda os fãs de quadrinhos. 

Não são infundados os paralelos entre Trump e General Ross, antagonista recorrente do MCU e personagem central no novo longa. Na história, Ross – encarnado por Harrison Ford após a perda do antigo intérprete, William Hurt – é eleito presidente dos Estados Unidos e pede o apoio de Sam Wilson (Anthony Mackie), o Capitão América, para firmar um acordo diplomático internacional. Contudo, um incidente insere Wilson no centro de uma conspiração no governo americano, arquitetada por uma figura misteriosa que revelará conflitos e fantasmas do passado.

Shira Haas foi escalada para interpretar Sabra, uma super-heroína israelense que, apesar de um mero detalhe do filme, motivou protestos e boicotes por manifestantes pró-Palestina (Foto: Marvel Studios)

Para reaquecer o interesse adormecido do público, o novo Capitão América cria conexões diretas com outros títulos da Marvel Studios. O acordo internacional que move a narrativa faz referência a eventos de Eternos (2021), enquanto a maior parte do arco de Ross é uma sequência direta do esquecido O Incrível Hulk (2008), que leva a transformá-lo no Hulk Vermelho no final do filme – o que deveria ser uma surpresa, mas foi massivamente indicado no material de divulgação.

Além disso, o enredo tenta combinar fórmulas consolidadas dos longas anteriores do herói patriota. A trama de espionagem de Capitão América 2: O Soldado Invernal (2014) está aqui, fundida à tensão e intriga política características de Capitão América: Guerra Civil (2016). Entretanto, o roteiro falha em capturar o apelo que tornava seus antecessores experiências tão singulares. Aqui, a investigação é concluída antes mesmo da segunda metade do filme, e o mistério é apoiado em diálogos expositivos demais para ser minimamente instigante.

Tim Blake Nelson fez uma aparição em O Incrível Hulk, de 2008, e reprisa o mesmo papel em Admirável Mundo Novo (Foto: Marvel Studios)

Quanto ao conflito político, Guerra Civil funciona porque foi capaz de condensar posicionamentos fortes em um grupo de personagens carismáticos e que já tinham conquistado nosso afeto, além de demonstrar um interesse genuíno em explorar as nuances entre os dois pólos. Admirável Mundo Novo não se compromete a abordar seus dilemas para além do confortável, resultando em um embate raso e sem propósito. 

O Ross de Harrison Ford, que sempre foi codificado como vilão no MCU, recebe uma redenção artificial e suplica por sua simpatia. As motivações do personagem ao longo do filme são inconstantes e suas atitudes parecem abruptas e contraditórias. Neste imbróglio, Sam Wilson assume um discurso de crença nas instituições e de que a postura militarista do presidente e da sua nação pode não ser tão ruim, se realizada ‘do jeito certo’. É a versão desonesta e não-irônica de Steven Universo perdoando as vilãs nazistas.

O Falcão de Joaquin Torres também se torna ‘sidekick’ do Capitão América de Sam Wilson nos quadrinhos (Foto: Marvel Studios)

Apesar do roteiro fraco e direção apática de Julius Onah, Admirável Mundo Novo encontra alma no seu elenco. Anthony Mackie brilha no papel de Sam Wilson, provando mais uma vez que ele é o Capitão América por direito e mérito. Seu entrosamento com Danny Ramirez – que dá vida a Joaquin Torres, o novo Falcão – é uma das grandes surpresas do filme e responsável por seus momentos mais divertidos. Ainda que tenha pouco tempo de tela, Giancarlo Esposito rouba a cena no papel de Coral, líder da organização criminosa Serpente, que quase nos faz desejar que ele assumisse como principal antagonista.

Assistir a Capitão América: Admirável Mundo Novo é revisitar um sabor familiar, mas com um retrogosto amargo. Cada elemento é cuidadosamente inserido para resgatar o passado de glória do MCU – das batalhas e efeitos em CGI básicos ao vilão completamente sem sal –, porém sem perceber que foi exatamente esta fórmula a responsável por esgotar os fãs em primeiro lugar. Em busca de um agrado universal, tanto estético quanto político, o filme passa seus 118 minutos perseguindo uma sombra idealizada e inalcançável, deixando para a Marvel um futuro ainda mais incerto do que dois anos atrás.

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