Aqueles que conhecem a matriz literária de Bridgerton já esperavam que a versão televisiva teria de rebolar para sair do comum. Oito livros, com oito casais heterossexuais se conhecendo e se apaixonando nos moldes da sociedade inglesa do século XIX ficariam datados e repetitivos num piscar de olhos. Especialmente para uma audiência distinta daquela que devorou os romances de Julia Quinn, lançados entre os anos 90 e o início dos 2000.
O criador Chris Van Dusen, aliado ao talento da produtora Shonda Rhimes, começou sua Bridgerton investindo no elenco diverso e distante da branquitude que imperou nas páginas. Uma Rainha negra, um primeiro galã negro e uma viscondessa de origem indiana deram conta do recado nos anos iniciais, e a decisão de inverter os romances de Benedict e Colin colocou Penelope no centro narrativo e dramático da temporada 3.
Amparada pela performance da sempre preparada e resiliente Nicola Coughlan, os acontecimentos de Os Segredos de Colin Bridgerton se mesclam ao florescer apaixonado de outros irmãos da família, mas sempre de olho no casamento Polin. Afinal, a Bridgerton honorária merecia o mesmo tratamento de luxo que Daphne (Phoebe Dynevor) e Anthony (Jonathan Bailey) tiveram em suas histórias de amor.
Primeiro passo: lidar com a cisão entre Pen e Eloise (Claudia Jessie), que descobriu a identidade de Lady Whistledown (voz de Julie Andrews) e decidiu encerrar a duradoura amizade. A tensão que acompanha as amigas é igualmente potente na dinâmica da Featherington com o terceiro filho Bridgerton. Eles começam o novo ano em um acordo derradeiro: Colin treinará ela, para que enfim desencalhe e mande embora os julgamentos da família e da sociedade.
O tropo “amigos para amantes” é tratado com delicadeza e precisão, deixando que Coughlan faça o que de melhor sabe, e encante sem esforços quem assiste e quem convive com sua Penelope. Luke Newton cresce no papel de Colin (e as cenas sem camisa exibindo os músculos másculos são apenas um dos apetrechos narrativos para o amadurecimento), expressando dúvida, certeza e paixão desmedidas.
Lançada em dois blocos de 4 episódios cada, a temporada se centra, primeiro, na união do casal, rendendo cenas quentes e diferentes de tudo que a grande e hegemônica mídia constrói em torno de protagonistas gordas. Penelope é filmada com lascívia e desejo, e tanto na sequência da carruagem, quanto na do espelho, Bridgerton reconstrói a matriz imagética do sexo entre corpos fora do padrão da magreza. Decisão essa que partiu da própria atriz, certa em aparecer nua e mostrar a beleza dos momentos divididos com o amado.
A parte dois, depois de já resolvida a questão do romance, se constrói na base do conflito da autora de fofocas. A Rainha Charlotte (Golda Rosheuvel) fecha o cerco, ao passo que Cressida Cowper (Jessica Madsen) enxerga terreno para sair da bolha que a recusou. No campo do texto, a série não foge do esperado e aposta nas resoluções de última hora e nos ultimatos que apaziguam a história. Pelo menos, até a quarta temporada, que parece demorar a chegar. Van Dusen revelou que as gravações não começam de imediato, e 2026 parece ser a data mais segura para prometer a sequência.
E para a tristeza do modelo ‘8 episódios a cada 2 anos’, a série compensa na manobra de desviar dos romances repetitivos, e misturar a vida dos irmãos aos acontecimentos presentes. Benedict (Luke Thompson) expande o cardápio de paixões, enquanto a comedida e fantástica Francesca (Hannah Dodd) protagoniza um apaixonar às avessas, e pisca os olhos para a primeira grande partida literária, com o vindouro romance ao lado de Michaela (Masali Baduza).
O núcleo dos adultos igualmente se beneficia da nova abordagem, deixando que Portia (Polly Walker) cresça para além das amarras masculinas e predatórias que criou as filhas, Violet (Ruth Gemmell) não desapareça na paisagem e a incrível Lady Danbury (Adjoa Andoh) viaje ao passado e também encontre paz e perdão com aqueles que a conheceram antes do status de diva da corte. Até a governanta senhora Varley (Lorraine Ashbourne) se emancipa, gargalhando junto das irmãs de Pen.
Anthony e Kate (Simone Ashley) fazem figuração, e dominam cada porção em que aparecem sorrindo, brincando e fazendo planos. É a regra maior de Bridgerton, exalando o senso de conforto, fofura e emoção ideais em cada baile, dança, beijo escondido, reverência e até mesmo na breguice, abraçada em versões instrumentais que vão de Taylor Swift a Pitbull. Como boa crônica da sociedade de faz-de-conta, a Netflix espreme o potencial ao máximo, do marketing que passou pelo Brasil até a presença nas redes sociais. Isso é, quando eles se dão ao trabalho de organizar o calendário e gravar tudo, sem a mentalidade de menos é mais. Até lá, querido e estimado leitor.
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