Laureada com o Nobel de Literatura em 2024, a sul-coreana Han Kang não escreve livros fáceis. A Vegetariana, o exemplar mais famoso de seu catálogo, começa com um mistério: será que os sonhos premonitórios de Yeonghye têm raízes sobrenaturais? Ou sua rápida decisão de abandonar o consumo de carnes está realmente ligada ao espiritualismo de sua personalidade?
Ao longo de 180 páginas, o romance publicado pela Todavia com tradução direto do coreano de Jae Hyung Woo, envereda-se por três pontos de vistas, acompanhando a derrocada da protagonista e de sua família ao explorar temas de perda, desejo, insanidade e putrefação da alma.

Dividido em três atos, chamados de A Vegetariana, A Mancha Mongólica e Árvores em Chamas, o livro surgiu como conto ainda na década de 90. O ponto de partida foi uma citação do filósofo Yi Sangue, que declarou: “eu acredito que os humanos deveriam ser plantas”. O radicalismo da sentença despertou na autora a fome de entender a razão e as consequências de tal ato.
Originalmente publicado na forma de um trio de novelas, A Vegetariana causou por onde passou. Venceu o Booker Prize em 2016 (apesar das críticas contundentes ao trabalho de Deborah Smith, a tradutora americana) e angariou devotos da escrita longe de qualquer comparação de Kang, uma autora detalhista e por vezes demasiadamente descritiva, que imerge na mente de quem narra os diversos absurdos da vida de Yeonghye.

A primeira voz a rasgar o véu é a do marido, que estranha a mudança no cardápio da casa e demora a entender o motivo da esposa agora se portar sem emoções ou reações. Seus sonhos, definidos como sangrentos e por muito violentos, confundem e assustam o homem. A catarse vem no jantar na casa da irmã mais velha da esposa, que acaba palco para a primeira das violências que Yeonghye performa na própria família.
Passados alguns meses, o cunhado dela e esposo de sua irmã toma as rédeas do livro, envolto num projeto de arte visual que consome o casamento e a saúde mental. Por fim, é a tal irmã a responsável por encerrar A Vegetariana, relembrando a infância e ponderando sobre o que está por vir nessa família tão machucada pelo onírico e pelo carnívoro. Entretanto, Kang rejeita o sensacionalismo e acompanha Yeonghye com olhos de mistério e pouco julgamento – o revés da decisão fica em cargo da frustração de respostas mais táteis, que não chegam de jeito nenhum.


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