Foram precisas sete semanas de antecipação, e a contratação de um diretor formado no Terror, para que House of the Dragon resolvesse um de seus maiores problemas: a falta de Cavaleiros. Os monstros, eles tinham de sobra, como o episódio da semana, The Red Sowing, demonstra sem pestanejar. Corvos carregam a mensagem, curta e grossa, convocando qualquer cidadão com o menor dos fiapos de sangue Targaryen.
Primeiro, isso afeta as percepções de Rhaenyra (Emma D’Arcy), que demora a aceitar as ações dos deuses e a chegada de Addam de Casco (Clinton Liberty), o filho ilegítimo de Corlys que foi domado por Fumaresia. Rapidamente, a Rainha entende o desenho que se constrói e não hesita em guiar Mysaria (ou seria o contrário?) na tarefa de espalhar as boas novas.
Porto Real recebe tal aval com euforia e medo. Ninguém quer ser queimado vivo, mas também não quer morrer de fome, de peste ou numa briga qualquer, na disputa por pão embolorado ou peixe malcheiroso. Hugh (Kieran Bew) quer atender ao chamado, revelando à esposa sua origem materna. Filho de Saera, a prole que o Rei Jaeherys tanto destratou e viu perecer à distância.
Ironia do destino que a linhagem dela montará Vermithor, o Fúria de Bronze, antiga montaria do Bom Rei. A cena, calcada pela direção de Loni Peristere, se presta a homenagear os horrores do terror de monstro gigante, numa clausura física e emocional que arremata Pedra do Dragão, desfaz o vínculos dos tratadores do Hangar e oferece uma carnificina em brasas.
Rhaenyra vai sozinha acalmar o enorme dragão, o segundo mais velho depois de Vhagar. Ela deixa a cena, e assiste o desenrolar no camarote, para onde os pobres coitados tentam em vão escapar. O fogo consome tudo: cabelos loiros, cabelos brancos, cabelos prateados. Quando o plano ruma para o fracasso, Hugh, o Martelo, em ato de ousadia e coragem, desafia a besta.
Vermithor, conhecido pelo temperamento arredio, encara os olhos de seu novo companheiro, e eles se unem pelo elo mágico que remonta gerações. Para toda a braveza do “marido”, a majestosa Asaprata acolhe Ulf, o bastardo falastrão que passou anos lucrando com os boatos de seu nascimento, e quase amarela quando o dever chama. Ainda bem que os amigos pinguços o convenceram, e ele sobrevoa a capital, quando a dragão salta ao horizonte e causa dor de barriga em Aemond.
O Príncipe Regente corre como se não houvesse amanhã para fora do castelo, onde uma adormecida Vhagar descansa. A velhota levanta e alça voo, sendo impedida de engajar no conflito quando o caolho enxerga, logo ali à frente, três bestas aladas, que rugem como uma e prenunciam essa “fase dois” da Dança dos Dragões. Aemond gosta de atacar crianças e idosos, mas evita batalhar contra dois dos maiores adversários de sua montaria.
Rhaenyra, em mais um trabalho não-verbal (mas digno de milhares de palavras) de D’Arcy, é o artefato favorito do diretor, que ocasionalmente se volta ao rosto da Rainha, procurando ali as expressões e ações invisíveis, onde o roteiro de David Hancock abdica de saliva e joga tudo no campo do etéreo. É esta a Rhaenyra que aceita a resignação quase sindical dos tratadores e vai ela mesmo treinar o Alto Valiriano e acalmar Vermithor.
A Rhaenyra que não desabou quando ouviu da morte do filho, que jurou a cabeça do meio-irmão e que sentiu o baque da perda de Rhaenys. A Rainha dos Sete Reinos, em metamorfose de governante para messias reencarnado, que guiará o porvir da Guerra. Os rugidos saem dos peitos e focinhos de Syrax, Vermithor e Asaprata, mas a humana retumba tamanha ira e tensão. Através deles, ela manifesta uma posição ofensiva.
A jornada até ali não foi simples. Do filho mais velho, escuta dúvidas e ressentimento, em uma cena onde Jace (Harry Collert) revela camadas ainda dormente de seu príncipe. Existe o medo de perder a “legitimidade” com os bastardos cavaleiros, e mais fundo, uma culpa inata que condiz ao pai, Harwin Strong, uma das origens de todo o conflito. É uma migalha de personalidade para a parcela da série que se dispõe de unidimensionalidade.
A cisão com Daemon, encaminhada para o oitavo episódio, afeta a personagem, mas as pequenas vitórias dentro da fortaleza litorânea alimentam sua alma com certa esperança. Depois de tantas derrotas e óbitos, era preciso que Rhaenyra, apesar do jeito calmo e caridoso, levantasse a moral que carrega como soberana.
Seu marido, por outro lado, é confrontado pelo recém-empossado Lorde Oscar Tully, e até recebe a vassalagem, mas não sem ouvir poucas e boas. Na intimidade das alucinações, Daemon enxerga uma versão carcomida e nefasta de Viserys, que oferece a Coroa. O irmão, visivelmente afetado e até aéreo, recusa a oferta. Foram semanas de fantasmas e traumas revividos, para que Matt Smith externalizasse o que estava claro na primeira temporada: por mais que fale muito, Daemon prefere as sombras – e Rhaenyra é herdeira, não ele.
Em Porto Real, Aemond sentencia traidores à Patrulha da Noite, e Larys força a recuperação de Aegon, em uma cena de sofrimento. O trabalho de Tom Glynn-Carney, que agora deixa de lado o rancor e arrogância do Rei para expressar a desolação de uma vida destruída, é categórico e acerta o alvo. Quem não conhece a conduta de Aegon pode até sentir dó dele.
Mas quem o conhece, e aqui falo de Alicent, está longe dos corredores e ratos. Ela convocou um dos Mantos Reais e zarpou para a Mata do Rei, onde dorme em barraca e aproveita longas caminhadas. No branco virginal, mergulha em um lago, boiando com os braços abertos. O mais próximo que a Rainha chegará de voar em um dragão, o gesto mimetiza a liberdade ganha.
A demissão do Conselho, junto do escrutínio público, disponibilizaram um caminho aberto para Olivia Cooke, tão trágica quanto romântica. Passeando por entre as flores que simbolizam as origens maternas, ela encara um pássaro cortando os céus. Animal símbolo da casa da mãe de Rhaenyra; os signos de sua amizade e vínculo, cultivados com carinho e atenção antes da chegada do pai e o casamento com Viserys.
Parece deslocado do eixo dramático do capítulo, mas a porção dedicada ao renascimento de Alicent é igualmente reveladora em oposição ao arco de Rhaenyra. Enquanto a Targaryen encontrou a paz de espírito quando se inseriu no conflito, a Hightower se livrou dos fardos formais e conseguiu respirar a mesma liberdade.
Em desarmonia, as amigas transformadas em rivais encaminham a meada do final da temporada, marcado pela marcha dos exércitos, a certeza de ameaça aérea e a reunião de dragões e cavaleiros, ceando antes de arrematar e enfim, contragolpear o clã Verde, até agora colecionador de vitórias e baixas inimigas. A Casa do Dragão atrasa os relógios, mas sabe quando tocar o alarme. É hora do Fogo & Sangue que tanto falamos nos últimos meses.
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