A ideia de desfilar por uma faminta e errática Porto Real com o símbolo morto da dinastia governante não é lá das mais sagazes. E tampouco foi um Targaryen que a aprovou: na ausência do rei, é Sir Criston Cole quem comanda a passeata, levando numa carroça o crânio decepado de Meleys. Logo atrás, obviamente ofuscado pela imagem da fera, está um caixote de madeira.
Coberto com panos e furado para a ventilação, ele acomoda o corpo moribundo, assado e em putrefação viva de Aegon (Tom Glynn-Carney), queimado, aliás, por ordem do próprio irmão. Irmão este que empunha a Adaga do Conquistador, desconversa qualquer incerteza da mãe e, na hora de decidir quem será o regente na ausência do monarca, prontamente é escolhido. Aemond Targaryen, Príncipe Regente. Nada mais certo do que colocar um cavaleiro no Trono, certo?
Para Alicent, não. Ela até tenta argumentar, já que a função não lhe é estranha ou inédita; governou muito nos momentos de fraqueza e cólera do marido. Mas o Pequeno Conselho não aceita: nem seu “aliado” Larys Strong, tampouco seu “amante” Cole (Fabien Frankel). De quem é a última palavra e, mancomunado com Aemond, aponta o segundo filho como candidato perfeito para a posição. E pegaria mal ascender uma mulher justamente no momento em que guerreiam contra o pleito de outra.
Isolada de maneira brutal, a personagem de Olivia Cooke ganha segundos de consternação, ira e medo. A câmera da diretora Clare Kilner congela, a atriz esbugalha os olhos e cristaliza nele gotas de um choro há muito abafado. Mais uma vez, e de uma vez por todas, a Rainha-Mãe entende o filho que criou. E, pior ainda, sabe que teve dedo nas ações maléficas de um Aemond farto das infantilidades de Aegon.
Mais tarde, quando contempla o cenário penumbroso e fantasmagórico da cadeira, Ewan Mitchell consegue condensar a fúria e a indomável busca pelo poder, mesmo com as luzes apagadas. Ele tampouco se assusta na presença da irmã Helaena, toda de preto, como num funeral eterno, que abre a boca uma única vez na hora total: “valeu a pena o preço que você pagou?”.
Ironia já que, como House of the Dragon cansou de elucidar, quem sofre pelos erros e escrúpulos deste lado da família é justamente a pobre Helaena. E se a juventude Verde está presa entre o dever e as feridas de guerra, os Pretos sofrem à sua maneira. A morte de Rhaenys é tratada com silêncio e contemplação, já que o roteiro de Ti Mikkel segue a máxima estabelecida e dá pouca ou nenhuma atenção, profundidade e dimensionalidade para os personagens.
Rhaenyra (Emma D’Arcy) encara o horizonte e engole o choro. Baela e Jace (Harry Collett) conversam, mas não dizem nada. E nem Corlys (Steve Toussaint), o viúvo, ganha mais do que alguns momentos de silêncio, olhar contemplativo e, depois, uma raiva que tem cara de birra e desconstrói o que está estabelecido para o lorde de Derivamarca. A neta Baela ( Bethany Antonia) coloca juízo no avô, declara sua herança de fogo e sangue e provavelmente muda o rumo da história, já que o convence a assumir o posto de Mão da Rainha.
Jace, igualmente insatisfeito com o estado inane da aliança, viaja para as Gêmeas, acorda com a Lady Frey termos e promessas, e volta para Pedra do Dragão com alianças e boas notícias. E nem o mau humor da mãe acaba com o momento do filho: quando ela queixa-se sobre o número desigual de cavaleiros e de dragões, finalmente citando a existência dos lendários Vermithor e Asaprata, o herdeiro tem a resposta na ponta da língua. É hora de procurar por descendentes que não carregam o sobrenome, mas têm o sangue do dragão nas veias.
O título do capítulo, Regente, diz respeito ao núcleo de Harrenhal, que coloca Daemon (Matt Smith) cada vez mais imerso nas assombrações do local. Ele ameaça vassalos com Caraxes, tem dificuldade para dormir e mais ainda para enxergar com clareza as intenções de Alys Rivers. Interpretada por Gayle Rankin, que também integrou o elenco de Glow, na pele de uma lutadora que acreditava possuir o espírito de lobo, a bruxa do castelo é igualmente feroz e imprevisível.
Ela fala com o Príncipe, digo, Rei Consorte, e mais ninguém, desaparece atrás do pobre Sir Simon (Simon Russell Beale) e acorda em Daemon feridas antigas e há muito cicatrizadas. O momento mais forte do episódio é justamente uma cena de intimidade entre o homem e uma mulher desconhecida. E, na fala de falta de figuras femininas positivas em sua vida, ele fantasia sexo, carícias e amor com ela.
Ela é, no fim das contas, Princesa Alyssa (Emeline Lambert), mãe dele e de Viserys, e antiga montadora de Meleys, a dragão que acabou de morrer. Através de visões e dos alimentos psicodélicos que Alys cozinha e serve, Daemon entra em contato com memórias e cicatrizes que ele próprio esqueceu da existência. Primeiro, vendo a jovem Rhaenyra, depois misturando sua fisionomia com a de Aemond, e agora, tocando a mãe que não teve a chance de conhecer.
A Casa do Dragão ainda encaminha essa parcela da história para outro conto de traição, considerando as falas de Daemon, interessado em ele mesmo tomar o Trono de Ferro, e a Rainha pode acompanhá-lo, “se desejar”. E a julgar pelas ações dela, Rhaenyra fareja os planos do marido e quem sabe, com a Semeadura, pode reverter a situação a seu favor.
O histórico recente, por outro lado, não aponta para boas novas. Em Regent, as peças se movem, lentamente e de modo calculado. Como tudo em A Casa do Dragão, despreparada para lidar com olhar microscópio para uma única família, e sem a possibilidade de viajar entre os tantos castelos de Westeros, diluindo a história e escondendo problemas de ritmo. Até visitamos o Ninho da Águia esta semana, com a chegada da Lady Arryn (Amanda Collin) e os também inteligentes movimentos de Rhaena (Phoebe Campbell). A juventude guia a Dança. Pensando bem, com a morte dos velhos no horizonte, é tudo que ela pode fazer.
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