A Casa do Dragão – 2×04 | Morre a inesquecível

The Red Dragon and the Gold eterniza no sacrifício de Rhaenys os maiores erros da série

min de leitura

Antes do lançamento da segunda temporada, o comunicado à imprensa escondia o título de sete dos oito capítulos. A exceção era o quarto, batizado de A Dance of Dragons, e especulado como um dos pontos de virada para a trama da série. O nome é compartilhado com o quinto livro d’As Crônicas de Gelo e Fogo, além de nomear também a season finale da temporada 5, ocasião em que Daenerys (Emilia Clarke) compareceu à Arena e saiu de lá montada em Drogon.

Dança dos Dragões também é a alcunha sob a qual a dinastia Targaryen ruiu. Para surpresa dos espectadores, porém, o quarto episódio de A Casa do Dragão foi ao ar com outro título: The Red Dragon and the Gold. A mudança escondia os acontecimentos de forma direta, ao mesmo tempo em que respeitava a semântica original: de fato, as criaturas enfim se atacaram ao céu de Pouso das Gralhas, um castelo de pouca defesa e muitíssima importância geográfica.

Longe da confusão, Daemon tem visões e enfrenta os fantasmas de Harrenhal: enxerga Aemond como si mesmo, é visitado pela ex-esposa Laena e encontra tempo para decapitar uma jovem Rhaenyra que não cessa em revelar a culpa do tio (Foto: HBO)

A sequência toma a metade final do episódio, colocando de frente os Verdes e os Negros na primeira investida de família contra família, sem a tempestade de A Rainha Preta e as sombras de Um Filho por Um Filho. À luz do dia, Sir Criston Cole (Fabien Frankel) acumula êxito após outro, e trama com o Príncipe Aemond (Ewan Mitchell) uma estratégia desonesta e, por isso, mortal.

Mas o que desencadeia o brutal episódio de Fogo e Sangue começa antes, novamente na direção de Alan Taylor, que ganha supervisão completa do roteiro do criador e showrunner Ryan Condal. Rhaenyra (Emma D’Arcy) está sumida, e o conselho de seu reinado busca brechas na juventude e inexperiência de Jace (Harry Colbert) e Baela (Bethany Antonia).

Alys Rivers ganha tempo de tela, revelando suas raízes místicas, alimentando Daemon com a pasta já conhecida dos fãs e demonstrando uma vértebra de seu poderio; por ela, o consorte vai do passado ao futuro, com vislumbres do destino do castelo (Foto: HBO)

Os avós Corlys (Steve Toussaint) e Rhaenys (Eve Best) vão ao resgate, e ladram de volta para os lordes. Não há saída: os dragões precisam ser usados. Mesma conclusão desenhada pelo lado de lá do conflito, encabeçado pela imaturidade do Rei Aegon II (Tom Glynn-Carney) e pela sede de perversão de seu irmão caolho. Na reunião diária do conselho, e com a ausência da Rainha Alicent, os jovens competem pelo tamanho de suas proles, e Aemond, com o Alto Valiriano na ponta da língua, sai por cima.

Alicent está ausente por problemas de saúde, e o Meistre da capital pode até fingir não saber a recipiente do chá abortivo que preparou, mas nós sabemos que ele sabe. Nos dias seguintes ao encontro furioso e incandescente com a ex-amiga e atual inimiga, Alicent recorre à medicina da época para se livrar de um fardo que não pode carregar.

Na mesma Porto Real que habita as visões de Daemon, Larys Strong encurrala Alicent, renegando os trejeitos diminutos com que se porta no Conselho, mas a Rainha não morde a isca e despacha o Mestre dos Sussurros (Foto: HBO)

É a sutileza do siginfiicado do ato, consumado após as noites tórridas de amor com Cole, frente até ao assassinato do neto, que Alicent decide colocar fim em uma ponta solta e, a partir disto, demonstra a falta de paciência com os filhos. Quando Aegon resmunga, ela o executa: faça o que queremos de você, nada! Como bom pirralho mimado inconsequente, ele enche a pança de vinho e decide, com a habitual imprudência, convocar Sunfyre para o batalhão de frente.

Os momentos que precedem a debandada à batalha se mesclam ao lado mais místico e profético da série: Rhaenyra conta ao filho sobre a profecia e o sonho de Aegon I. As imagens da direção de Taylor atam a conversa real com a preparação dos cavaleiros. Diante do crânio de Meraxes, Jace ouve a mãe. No Hangar de Pedra do Dragão, Rhaenys se encontra com Meleys, aproxima a testa da montaria e revela o destino: vamos para a batalha novamente, velha amiga; e no Fosso dos Dragões, em Porto Real, um risonho Sunfyre saltita e faz cócegas em Aegon, feliz em dividir o momento com seu cavaleiro. 

Sobrevivente de uma época distinta, Rhaenys encontra em Meleys sua única amiga, confidente e pilar de sustentação (Foto: HBO)

Eles voam até Rook’s Rest, e surpreendem o exército Verde, que segura as flechas e clama pela chegada de Aemond e Vhagar. Fica clara a intenção de explorar e extrair do vínculo dos Targaryen com seus pets a meada sentimental do episódio, mas a tentativa do roteiro de Condal morre no nascimento. A interação Sunfyre e Aegon é tão estrangeira a quem assiste, que o simples sorriso no rosto de Glynn-Carney parece um desvio da conduta do personagem. 

Para a série que coloca tanta importância nos nomes, e chama-se A Casa do Dragão, os monstros nunca conseguiram passar do status de objeto para personagens de intenção e entrega. Até Meleys, figura carismática para quem assiste, e sua relação com Rhaenys, outra das privilegiadas pelo roteiro, fica à deriva. Por isso, o golpe derradeiro dói, mas não estremece a empatia que deveria.

Os dragões atuam com a bomba atômica; Rhaenys adia ao máximo o uso da artilharia pesada e sabe que, depois do primeiro disparo, o mundo estará fadado ao apocalipse (Foto: HBO)

Os Pretos ganham contornos heroicos, assim como suas montarias. Syrax já atuou como avatar de Rhaenyra, e Caraxes representa todo o lado eufórico e colérico de Daemon. A morte de Vermax, ao lado do jovem Luke, magoou; assim como foi empolgante ver Baela e Bailalua em completa sinergia. Os Verdes não receberam esse privilégio.

A única ligação que sublinha-se além das entrelinhas é a de Aemond e Vhagar, que se conectam no fatídico dia onde ele perde um olho, mas ganha um baita dragão. Aegon e Sunfyre não tem tempo de tela ou migalha de desenvolvimento, e a coitada da Helaena mal dividiu a tela com Dreamfyre, sua companheira magistral e magnânima. No fim das contas, as escolhas de Condal, e do pragmático e objetivo Alan Taylor, estão atadas ao banal elo emocional e não ao estado de frenesi e luto que a guerra resgata.

Além de findar a gravidez, Alicent passa o episódio todo atrás dos livros de Viserys, buscando respaldo histórico que afirme suas ações ao proclamar Aegon como herdeiro do Trono (Foto: HBO)

Com os saltos temporais da temporada um, a audiência perdeu a chance de ver o crescimento dos filhos de Alicent e Rhaenyra, assim como a oportunidade de entender e se envolver com as dinâmicas familiares e de poder no clã Targaryen. Agora, somos postos frente a uma situação demasiada colorida sobre o que sentir, como nos portar e, pior ainda, como reagir.

Vhagar será taxada de bruaca, velhoca e sênil, pois A Casa do Dragão foi feita para entregar o choque pelo choque, e isso demanda capar os anos de amadurecimento e de rivalidade entre os Velaryon e os filhos de Viserys e Alicent. Game of Thrones, amparada pelo precioso material escrito por George Martin, tinha rebanhos para pastorear a narrativa, desenvolvendo as minúcias e as grandes mudanças.

“Amada filha de Lady Jocelyn Baratheon e Príncipe Aemon Targaryen, fiel esposa do Senhor Corlys Velaryon, mãe e avó, a Rainha que Nunca Foi viveu sem medo, e morreu em meio a sangue e fogo. Ela tinha 55 anos de idade” (Foto: HBO)

Os lobos Stark, mortos com crueldade e muita tristeza, eram pets, mas também integrais ao desenvolvimento dos humanos. E os filhos de Dany, únicos em seu design e distintos de qualquer semelhança dentro da mitologia da série, igualmente tinham apelo e respaldo no roteiro. Ela demorou sete temporadas para chegar à Pedra do Dragão, sentar-se no trono de pedra e clamar os Reinos de Westeros. Espera, expectativa e recompensa.

A Dança dos Dragões, que se espreguiça por um período de dois anos na História do mundo de Martin, tem raízes profundas, que perpassam a morte de Luke, a Batalha de Pouso das Galhas e todas as tragédias que culminaram na derrocada da Casa. E não adianta justificar cada soluço criativo com grandiosas batalhas aéreas, labaredas se misturando a sangue e terra e a morte de uma personagem chave para a série, mas que nunca foi tratada como multidimensional.

Meleys, a Rainha Vermelha, e Rhaenys, A Rainha que Nunca Foi (Foto: HBO)

Tudo acontece porque deve acontecer. Eve Best emprestou a fúria e a dignidade para Rhaenys, mas nunca leu estabilidade ou consistência nos roteiros entregues em sua mesa. A Rainha que Nunca Foi surgiu na série como aquela que teve o Trono surrupiado, passou para o arquétipo de figura materna e, depois, a protetora dos netos. Teve a chance de acabar com a Guerra quando destruiu o Septo com Meleys, e voou até a Rainha com promessa de lealdade.

Na despedida com o marido Corlys, ela encara o passado infiel dele e pede pela dignificação dos bastardos. Best demonstra tudo isso na miudeza das expressões, e na forma calculada como revive o ontem sem precisar se mover. A dignidade acima da honra ferida, a atitude de uma mulher ciente de seu local e de seu ideal. Traços nunca antes trabalhados na personagem, e mais uma facilitação que Ryan Condal usa como se não fosse nada.

Os relatos do livro Fogo e Sangue, junto da ilustração presente na história, revelam que o corpo de Rhaenys foi carbonizado e irreconhecível, morto pela mesma dragão que foi montaria de sua filha Laena (Foto: Reprodução)

As entrevistas concedidas após o episódio engrandecem as ações de Rhaenys, mas a série desaba as motivações em prol da ação brutal no centro do tabuleiro. A missão da Princesa era uma espécie de kamikaze, tanto quanto a decisão de não usar o comando Dracarys demonstrou o controle e a ciência da mulher. Enquanto seus sobrinhos desbaratinam o horizonte em chamas, ela ataca com cautela e razão.

Quando derruba Sunfyre e Aegon, atingidos principalmente pela labareda de Vhagar, Rhaenys encara a possibilidade de debandar-se e proteger-se. Mas a honra, demonstrada na conversa com Corlys, no luto pelos filhos e na lealdade para com a Rainha, fala mais alto. Ela vira Meleys, com quem troca dois olhares: primeiro de cumplicidade e conexão, e depois, de despedida e da certeza de que, assim como fizeram nos últimos 42 anos, permanecerão uma só. Ela bate as asas, Rhaenys afivela-se à montaria e Vhagar surge por detrás das muralhas.

Depois de mostrar o tamanho e alcance de Vhagar, que se esconde na floresta e dorme entre lutas, como a anciã alada assustou Rhaenys e abocanhou Meleys sem ser percebida? Apenas o roteiro de Ryan Condal e suas conveniências pode responder (Foto: HBO)

Com o mesmo recurso de cena-susto da morte de Lucerys, Aemond finda a vida de mais familiares. Meleys tem o pescoço mastigado, fecha os olhos. Rhaenys contempla a decisão, abre os braços. Juntas, elas desabam. As chamas consomem os arredores. Ewan Mitchell evolui a carranca de surpresa para uma expressão de completude e dever cumprido.

Ele quase termina todas suas pendências, mas Cole chega a tempo e impede o príncipe de matar o irmão. Aegon é filmado com o terror das vítimas nucleares, consumido pelo calor e pelo metal em ponto de fusão. Sunfyre, outrora tido como o mais belo dos dragões Targaryen, respira com dificuldade e com talhos de carne à mostra. Aemond ajoelha-se, não em auxílio do Rei, mas em busca da adaga milenar do Conquistador. O perigo passou de ponderação para realidade. 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *