Antes do lançamento da segunda temporada, o comunicado à imprensa escondia o título de sete dos oito capítulos. A exceção era o quarto, batizado de A Dance of Dragons, e especulado como um dos pontos de virada para a trama da série. O nome é compartilhado com o quinto livro d’As Crônicas de Gelo e Fogo, além de nomear também a season finale da temporada 5, ocasião em que Daenerys (Emilia Clarke) compareceu à Arena e saiu de lá montada em Drogon.
Dança dos Dragões também é a alcunha sob a qual a dinastia Targaryen ruiu. Para surpresa dos espectadores, porém, o quarto episódio de A Casa do Dragão foi ao ar com outro título: The Red Dragon and the Gold. A mudança escondia os acontecimentos de forma direta, ao mesmo tempo em que respeitava a semântica original: de fato, as criaturas enfim se atacaram ao céu de Pouso das Gralhas, um castelo de pouca defesa e muitíssima importância geográfica.
A sequência toma a metade final do episódio, colocando de frente os Verdes e os Negros na primeira investida de família contra família, sem a tempestade de A Rainha Preta e as sombras de Um Filho por Um Filho. À luz do dia, Sir Criston Cole (Fabien Frankel) acumula êxito após outro, e trama com o Príncipe Aemond (Ewan Mitchell) uma estratégia desonesta e, por isso, mortal.
Mas o que desencadeia o brutal episódio de Fogo e Sangue começa antes, novamente na direção de Alan Taylor, que ganha supervisão completa do roteiro do criador e showrunner Ryan Condal. Rhaenyra (Emma D’Arcy) está sumida, e o conselho de seu reinado busca brechas na juventude e inexperiência de Jace (Harry Colbert) e Baela (Bethany Antonia).
Os avós Corlys (Steve Toussaint) e Rhaenys (Eve Best) vão ao resgate, e ladram de volta para os lordes. Não há saída: os dragões precisam ser usados. Mesma conclusão desenhada pelo lado de lá do conflito, encabeçado pela imaturidade do Rei Aegon II (Tom Glynn-Carney) e pela sede de perversão de seu irmão caolho. Na reunião diária do conselho, e com a ausência da Rainha Alicent, os jovens competem pelo tamanho de suas proles, e Aemond, com o Alto Valiriano na ponta da língua, sai por cima.
Alicent está ausente por problemas de saúde, e o Meistre da capital pode até fingir não saber a recipiente do chá abortivo que preparou, mas nós sabemos que ele sabe. Nos dias seguintes ao encontro furioso e incandescente com a ex-amiga e atual inimiga, Alicent recorre à medicina da época para se livrar de um fardo que não pode carregar.
É a sutileza do siginfiicado do ato, consumado após as noites tórridas de amor com Cole, frente até ao assassinato do neto, que Alicent decide colocar fim em uma ponta solta e, a partir disto, demonstra a falta de paciência com os filhos. Quando Aegon resmunga, ela o executa: faça o que queremos de você, nada! Como bom pirralho mimado inconsequente, ele enche a pança de vinho e decide, com a habitual imprudência, convocar Sunfyre para o batalhão de frente.
Os momentos que precedem a debandada à batalha se mesclam ao lado mais místico e profético da série: Rhaenyra conta ao filho sobre a profecia e o sonho de Aegon I. As imagens da direção de Taylor atam a conversa real com a preparação dos cavaleiros. Diante do crânio de Meraxes, Jace ouve a mãe. No Hangar de Pedra do Dragão, Rhaenys se encontra com Meleys, aproxima a testa da montaria e revela o destino: vamos para a batalha novamente, velha amiga; e no Fosso dos Dragões, em Porto Real, um risonho Sunfyre saltita e faz cócegas em Aegon, feliz em dividir o momento com seu cavaleiro.
Eles voam até Rook’s Rest, e surpreendem o exército Verde, que segura as flechas e clama pela chegada de Aemond e Vhagar. Fica clara a intenção de explorar e extrair do vínculo dos Targaryen com seus pets a meada sentimental do episódio, mas a tentativa do roteiro de Condal morre no nascimento. A interação Sunfyre e Aegon é tão estrangeira a quem assiste, que o simples sorriso no rosto de Glynn-Carney parece um desvio da conduta do personagem.
Para a série que coloca tanta importância nos nomes, e chama-se A Casa do Dragão, os monstros nunca conseguiram passar do status de objeto para personagens de intenção e entrega. Até Meleys, figura carismática para quem assiste, e sua relação com Rhaenys, outra das privilegiadas pelo roteiro, fica à deriva. Por isso, o golpe derradeiro dói, mas não estremece a empatia que deveria.
Os Pretos ganham contornos heroicos, assim como suas montarias. Syrax já atuou como avatar de Rhaenyra, e Caraxes representa todo o lado eufórico e colérico de Daemon. A morte de Vermax, ao lado do jovem Luke, magoou; assim como foi empolgante ver Baela e Bailalua em completa sinergia. Os Verdes não receberam esse privilégio.
A única ligação que sublinha-se além das entrelinhas é a de Aemond e Vhagar, que se conectam no fatídico dia onde ele perde um olho, mas ganha um baita dragão. Aegon e Sunfyre não tem tempo de tela ou migalha de desenvolvimento, e a coitada da Helaena mal dividiu a tela com Dreamfyre, sua companheira magistral e magnânima. No fim das contas, as escolhas de Condal, e do pragmático e objetivo Alan Taylor, estão atadas ao banal elo emocional e não ao estado de frenesi e luto que a guerra resgata.
Com os saltos temporais da temporada um, a audiência perdeu a chance de ver o crescimento dos filhos de Alicent e Rhaenyra, assim como a oportunidade de entender e se envolver com as dinâmicas familiares e de poder no clã Targaryen. Agora, somos postos frente a uma situação demasiada colorida sobre o que sentir, como nos portar e, pior ainda, como reagir.
Vhagar será taxada de bruaca, velhoca e sênil, pois A Casa do Dragão foi feita para entregar o choque pelo choque, e isso demanda capar os anos de amadurecimento e de rivalidade entre os Velaryon e os filhos de Viserys e Alicent. Game of Thrones, amparada pelo precioso material escrito por George Martin, tinha rebanhos para pastorear a narrativa, desenvolvendo as minúcias e as grandes mudanças.
Os lobos Stark, mortos com crueldade e muita tristeza, eram pets, mas também integrais ao desenvolvimento dos humanos. E os filhos de Dany, únicos em seu design e distintos de qualquer semelhança dentro da mitologia da série, igualmente tinham apelo e respaldo no roteiro. Ela demorou sete temporadas para chegar à Pedra do Dragão, sentar-se no trono de pedra e clamar os Reinos de Westeros. Espera, expectativa e recompensa.
A Dança dos Dragões, que se espreguiça por um período de dois anos na História do mundo de Martin, tem raízes profundas, que perpassam a morte de Luke, a Batalha de Pouso das Galhas e todas as tragédias que culminaram na derrocada da Casa. E não adianta justificar cada soluço criativo com grandiosas batalhas aéreas, labaredas se misturando a sangue e terra e a morte de uma personagem chave para a série, mas que nunca foi tratada como multidimensional.
Tudo acontece porque deve acontecer. Eve Best emprestou a fúria e a dignidade para Rhaenys, mas nunca leu estabilidade ou consistência nos roteiros entregues em sua mesa. A Rainha que Nunca Foi surgiu na série como aquela que teve o Trono surrupiado, passou para o arquétipo de figura materna e, depois, a protetora dos netos. Teve a chance de acabar com a Guerra quando destruiu o Septo com Meleys, e voou até a Rainha com promessa de lealdade.
Na despedida com o marido Corlys, ela encara o passado infiel dele e pede pela dignificação dos bastardos. Best demonstra tudo isso na miudeza das expressões, e na forma calculada como revive o ontem sem precisar se mover. A dignidade acima da honra ferida, a atitude de uma mulher ciente de seu local e de seu ideal. Traços nunca antes trabalhados na personagem, e mais uma facilitação que Ryan Condal usa como se não fosse nada.
As entrevistas concedidas após o episódio engrandecem as ações de Rhaenys, mas a série desaba as motivações em prol da ação brutal no centro do tabuleiro. A missão da Princesa era uma espécie de kamikaze, tanto quanto a decisão de não usar o comando Dracarys demonstrou o controle e a ciência da mulher. Enquanto seus sobrinhos desbaratinam o horizonte em chamas, ela ataca com cautela e razão.
Quando derruba Sunfyre e Aegon, atingidos principalmente pela labareda de Vhagar, Rhaenys encara a possibilidade de debandar-se e proteger-se. Mas a honra, demonstrada na conversa com Corlys, no luto pelos filhos e na lealdade para com a Rainha, fala mais alto. Ela vira Meleys, com quem troca dois olhares: primeiro de cumplicidade e conexão, e depois, de despedida e da certeza de que, assim como fizeram nos últimos 42 anos, permanecerão uma só. Ela bate as asas, Rhaenys afivela-se à montaria e Vhagar surge por detrás das muralhas.
Com o mesmo recurso de cena-susto da morte de Lucerys, Aemond finda a vida de mais familiares. Meleys tem o pescoço mastigado, fecha os olhos. Rhaenys contempla a decisão, abre os braços. Juntas, elas desabam. As chamas consomem os arredores. Ewan Mitchell evolui a carranca de surpresa para uma expressão de completude e dever cumprido.
Ele quase termina todas suas pendências, mas Cole chega a tempo e impede o príncipe de matar o irmão. Aegon é filmado com o terror das vítimas nucleares, consumido pelo calor e pelo metal em ponto de fusão. Sunfyre, outrora tido como o mais belo dos dragões Targaryen, respira com dificuldade e com talhos de carne à mostra. Aemond ajoelha-se, não em auxílio do Rei, mas em busca da adaga milenar do Conquistador. O perigo passou de ponderação para realidade.
Deixe um comentário