A Casa do Dragão – 2×03 | Entre a cruz e a espada

O Moinho Ardente reúne Rainhas e começa a desbravar o potencial violento da Guerra

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Se a igreja é o local ideal para se limpar dos pecados, onde melhor seria possível olhá-los nos olhos e encontrar o limite entre o perdão e a devoção? É no Templo de Fé aos Sete, de fato, que Alicent (Olivia Cooke) e Rhaenyra (Emma D’Arcy) se reencontram, feridas e carentes da atenção e carinho que uma compartilhou com a outra por tanto tempo, tantos anos atrás. 

A cena que fecha The Burning Mill, o terceiro dos oito capítulos de A Casa do Dragão, é emblemática por um sem número de razões. Coloca de frente as garotas-propaganda do seriado, em uma manobra que não é mencionada no livro. Cutuca a pendência emocional da dupla: para a filha de Viserys, a certeza de que o pai nunca duvidou ou barganhou sua herança. E para a viúva dele, a noção de que uma confusão de nomes pode ter mudado o destino de Westeros para sempre. 

Depois de levar uma surra na estreia da série, o irmão de Alicent retorna e já sente a pressão entre a Rainha e o Mão do Rei (Foto: HBO)

Alicent não é a culpada da situação toda, é claro. E o que o roteiro de David Hancock sublinha vez após outra é a encruzilhada que a Rainha se encontrava desde a promessa de casamento com o rei enfermo, até o nascimento dos filhos, a cisão com a melhor amiga e, enfim, a posição de ouvinte ao leito de morte de Viserys. Sozinha e acuada, jogou com as cartas que tinha em mãos e fez um movimento arriscado e imprudente. 

Quase tanto como aquele ocorrido na metade do ano anterior, quando uma brincadeira de crianças tornou-se um manifesto de ódio e acarretou na morte do filho da Rainha. É Rhaenys (Eve Best), a Rainha que Nunca Foi, a encarregada de ponderar à Rhaenyra as possibilidades de cessar a iminente Guerra. Paciente e habilmente alocada em um Conselho que pouco se importa com as dúvidas de sua soberana, Rhaenys defende a parente, e transmite o ar de conciliação que seu avô, Rei Jaehaerys, demonstrou ao longo do mais longevo e pacífico reinado dos dragões.

Na primeira atualização de abertura da temporada, podemos ver o registro da morte do filho de Aegon e o enforcamento dos caça-ratos (Foto: HBO)

Rhaenys sabe, pois viveu. Dos sobreviventes atuais, ela é a única que enxergou o apogeu de sua Casa, presenciou percalços e infortúnios dos avós no Trono, encarou de frente o poderio dos dragões. Morreram Jaehaerys e Alysanne, morreu Balerion, morreu Viserys; Rhaenys sobreviveu. Prosperou, formou família, teve filhos e netos, e agora quer evitar o caminho sanguinolento que promete se realizar.

A cena que abre o capítulo, em um campo qualquer, com dois grupos de adolescentes quaisquer batendo boca em uma rivalidade geracional ganha contornos de terror quando a lealdade das famílias vem à tona. O moinho que dá título ao episódio é cenário para a carnificina que toma conta do ambiente. De uma retrucada verbal, a câmera da diretora Geeta Vasant Patel corta para a garganta esmagada do malfeitor.

A Batalha do Moinho Ardente foi apenas um dos inúmeros confrontos e tragédias acontecidos no período da Dança dos Dragões (Foto: HBO)

Uma multidão de mortos, sendo devorados pelos famintos corvos, denuncia na tela uma das falas da prostituta que acomoda Aemond em seus braços, metade mãe e metade mulher: quando os nobres lutam, são os pobres que pagam. A disputa entre os Blackwood e os Bracken acontece desde que o mundo é mundo, e assim continuaria não fosse a Guerra Civil que inflama o continente.

Essa é a grande diferença entre os comuns e os Targaryen. Para o primeiro grupo, a certeza e a constância de brigas e picuinhas é nota de rodapé na rotina de servidão. Para o segundo, qualquer rusga incendeia o plano geral. Os dragões, portanto, desequilibram a balança para os lados envolvidos. Quem perder ou ganhar está fadado à ruína. Mesma conclusão que as antigas amigas chegam à luz de velas e ao altar religioso.

Bailalua voa gloriosa e a série destaca o elo entre dragão e montador, com a fera apontando Baela na direção dos cavaleiros de Aegon (Foto: HBO)

Ameaça, contra-golpe, alguns segundos de paz. Rhaenyra clama pela mentira de Alicent, que reconta os eventos antes da morte do Rei: Aegon, o Príncipe que foi Prometido, e não Aegon, filho da Rainha. Emma D’Arcy, com vasta experiência nos palcos de teatro, reconstrói sua expressão primeiro com temor, para depois inflá-la à lembrança do amor e do zelo de Viserys. Ele nunca duvidou dela, e na verdade foi Alicent quem, às escuras de qualquer Canção de Gelo e Fogo, escutou o que precisava e fez o que achou necessário.

Agora, com o passado a limpo, elas se resolvem. Não, não fazem isso. Rhaenyra confronta a mentira, Alicent entende mas mantém sua posição de firmeza. Sai da Igreja e resolve, por si só, o emaranhado sentimental e carregado de saudade e remorso. Por breves minutos, elas compartilharam o elo antigo, no local onde cresceram e descobriram o mundo. 

A diretora confirmou e três dos ovos que Rhaena leva são de fato os filhos de Daenerys; Martin veio a público e esclareceu a diferença entre o cânone dos livros e o da série (Foto: HBO)

Olivia Cooke, destinada a se isolar no palácio onde ninguém quer sua presença ou sua opinião, atua com parcimônia e cuidado. Guarda palavras, esconde reações e até falsifica gestos, como na despedida nada harmoniosa de Sir Criston (Fabien Frankel), ou na chegada de seu irmão Gwayne (Freddie Fox). Se Rhaenyra tem os filhos, as enteadas, Rhaenys, Corlys e os dragões, Alicent tem silêncio e cobranças. Para ela, o momento de perdão de Helaena (Phia Saban) representa mais do que uma reparação familiar. É um vislumbre de tudo que lhe foi negado nos momentos de maior necessidade.

Divididas pela Guerra e pela disputa do Trono, as mulheres de A Casa do Dragão dão o último cortejo antes das espadas lamberem umas às outras. Por um lado, Cole viaja à Harrenhal e quase vira espetinho de Baela (Bethany Antonia) e Bailalua; por outro, Daemon (Matt Smith) sobrevoa o castelo milenar e transforma Caraxes em um canhão voador. Para seu azar, o castelão se rende e oferece humildemente o jantar.

Rhaenyra sofre, mas entende o que deve ser feito: delega a Rhaena os papéis de protetora e educadora das crianças, e encontra em Mysaria uma confidente e conselheira valiosa (Foto: HBO)

Inquieto como é, Daemon entra no mundo dos pesadelos e encontra Milly Alcock costurando a garganta do menino que ele mandou matar. A lembrança em forma da jovem Rhaenyra é um golpe duplo na psique do cavaleiro: representa a versão da esposa, à esta altura sobrinha, que ele dominou e controlou, e também revela como a Rhaenyra atual, de D’Arcy, está distante dos ideais de pureza e inocência que o conquistaram e seduziram no passado. 

O pesadelo acaba à margem de uma Árvore-Coração, e com a fala cortante da misteriosa e aguardada Alys Rivers (Gayle Rankin), a bruxa de Harrenhal que traz de volta um bocado da magia de Westeros, tão presente na parcela de dragões da série, mas um pouco esquecida nos outros campos. O mundo de Westeros transborda mágica, misticismo e profecias mirabolantes. É fantástico que o showrunner Ryan Condal não se acanhe e mergulhe nos cantos mais sobrenaturais do reino de George Martin.

Reino, este, em estado enervante de inquietação: em Pedra do Dragão, Fumaresia se agita pelos ares; em Porto Real, bastardos reais se revelam à sombra da bebida e o próprio Rei encontra espaço para azucrinar no bar e no bordel. Lá, Aegon (Tom Glynn-Carney) tromba em Aemond e, mesquinho como é, diminui o irmão na frente dos recém-promovidos Mantos Brancos, do jovem escudeiro e da prostitua que o caolho preza e ampara.

“Aemond Targaryen quer o Trono”, sussurra Lorde Larys para o Rei, que desiste de voar para batalha e permanece em Porto Real (Foto: HBO)

Como no despertar da face cruel e monstruosa que matou Luke, Aemond (Ewan Mitchell) se levanta, vestindo a armadura que o trouxe ao mundo: é um momento de ousadia, poder e sensibilidade para o guerreiro, que sai de cena com os pudores à mostra, assim como os culhões que tanto compara com o Rei. E se a situação já estava feia antes, essa humilhação pública não parece remendar o vínculo entre os filhos de Alicent.

Todos estão com nervos à flor da pele, e sedentos para focar essa energia lasciva no terror e na defesa de seus ideais. Corlys (Steve Toussaint) busca o meio-termo, enquanto Rhaenys reconhece o precipício. Rhaena (Phoebe Campbell) quer se mostrar útil, mas recebe com insatisfação o papel de babá e protetora dos herdeiros, encarregada de viajar ao Ninho da Águia, e depois á Pentos, com Joffrey (Oscar Eskinazi), Aegon e Viserys, além dos pequenos dragões e quatro ovos (três destes muito conhecidos dos fãs de Game of Thrones).

Daemon, na glória de sua armadura escamada, caminha com cautela pela decrépita instalação de Harrenhal, com goteiras e poças, mas encontra um castelo vazio e nenhuma defesa (Foto: HBO)

E para o que a primeira temporada tinha de pressa e tesão de entregar eventos bombásticos a cada semana, a segunda policia melhor o ambiente e move a trama com mais cuidado. Afinal, a Dança dos Dragões foi um evento repleto de mortes, traições e tragédias, mas a série que adapta o conflito precisa saber quando e onde apostar alto. A Batalha do Moinho Ardente é vista apenas na consequência, mas o efeito é tão forte quanto dezenas de lâminas expelindo sangue e gritos. Com um enterro por semana, House of the Dragon respira tensão e expira fumaça. 

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