Toda produção literária tem um quê confessional, mas a obra de Édouard Louis ultrapassa a linha que delimita relato e biografia. O desabamento, o mais recente dos títulos de autoficção do francês, detalha a vida e a morte do irmão mais velho.
Como numa investigação onde o culpado é desmascarado na página 1, Louis vai ao passado para entender os comportamentos do irmão mais velho, que morreu aos 38 anos depois de uma queda. O tombo era o menor de seus problemas, com múltipla falência de órgãos e a longa relação com o abuso de substâncias.
“Corri pela rua, o cabelo molhado, o frio lá de fora congelava a raiz do meu cabelo por causa da umidade, era muito estranho correr para a morte do meu irmão”.
Entre fatos e relatos, o autor intercala o presente da situação, com a viagem para socorrer a mãe em luto, com o passado, da época da infância aos primeiros sinais de algo errado na vida do homem, que colecionou relacionamentos violentos e passagens pelo lado obscuro da lei.
Acontece que, dado os momentos de preconceito e intolerância direcionados a ele pelo irmão, Louis não sente empatia ou tristeza. O comportamento, que não busca justificar ou inocentar o escritor na régua moral, propícia uma declaração fria e direta dos acontecimentos, com direito a recursos que dobram o limite da não-ficção, como conversas com mulheres que amaram o irmão e outra com seu fantasma. “Tinha a sensação de que todas as frases falavam do meu irmão morto, mesmo as mais insignificantes […]”.
“A partir desse dia, a existência do meu irmão se tornou um relato para nós”.
Publicado pela Todavia sob tradução de Marília Scalzo, O desabamento continua a tomada de Louis no mercado brasileiro, depois de uma passagem pela Flip, a vindoura montagem de uma peça de seu arsenal criativo, e a republicação de seus títulos mais antigos pela mesma casa que trata com tanto carinho e atenção aos detalhes e ao trabalho gráfico seus livros.
Aos 33 anos, Louis tornou-se porta-voz de uma geração queer disposta a desnudar os próprios machucados em prol da arte. Consumir sua obra é adentrar uma realidade de pobreza e depois de emancipação, com O desabamento se alocando gentilmente entre contos sobre as figuras materna e paterna e, mais tarde, o florescer físico e intelectual dele como homem gay em uma França diferente da que nasceu.
“Será que escrevo porque não sinto a tristeza de Catulo e gostaria de senti-la? Será que escrevo na esperança de fazer a dor surgir?”
Mesclando seus pensamentos com o de outros historiadores e autores que dissertam à respeito de luto, vício e família, Édouard Louis fala de si ao olhar para aqueles que cresceram ao seu lado, mesmo quando as condições são gritantes no que tange personalidades, comportamentos e visões de vida. Cada detalhe importa – e assombra – uma rotina de fuga incapaz de se concretizar em solidão.
“Uma das tragédias de sua existência foi o fato de acreditar que, se os outros o ouvissem, o mundo seria mais bonito e mais justo. Mas ninguém o ouvia”.


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