Wicked: Parte 2 rompe sua eufórica ilusão 

Musical chega ao final permanecendo fiel ao frustrante material base

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Quem assiste desavisado à Parte 2 de Wicked vai estranhar a rapidez, a confusão e a maneira que a história das Bruxas de Oz amarra a mitologia com os escritos de L. Frank Baum – e não seria Jon M. Chu o responsável por organizar e remendar o segundo ato do musical. Ao menos, não sem uma reescrita brutal que se distanciaria do material de origem. Com todas estas considerações, Glinda e Elphaba retornam num longa intransigente.

Para todas as reclamações sobre a falta de cor e de cuidado estético no filme de 2024, Chu instrui a diretora de fotografia Alice Brooks a despejar raios cromáticos nesta parte tão mais sombria e desoladora da história. Every Day More Wicked ganha um espaço próprio na trilha sonora, com a audiência entendendo onde cada personagem está, desde que a Bruxa Má ganhou tal alcunha e a Boa atua sob tutela do governo.

As Long As You’re Mine, o dueto romântico de Elphaba e Fiyero poderia ser melhor encenado e coreografado (Foto: Universal)

Mais do que estender a duração do musical para uma sessão dupla de cinco horas, Jon M. Chu deixa que a ação se desenrole apenas em função das atuações, visto que os números musicais desta vez carecem do humor e das piruetas de outrora. Não é para menos: as canções de For Good são todas de notas tristes e sentimentos negativos.

Mesmo No One Mourns the Wicked, a abertura do longa anterior, havia uma mistura de louvor com o horror da morte da vilã. Agora, os temas variam de solidão (a Reprise de I’m Not That Girl, No Place Like Home), luxúria (As Long As You’re Mine), passando pela ideia de falsa simpatia (Wonderful) e chegando enfim à raiva que contagia (No Good Deed e March of the Witch Hunters). Não há espaço para celebração da amizade nem o maravilhamento com um mundo de possibilidades.

Ariana Grande calca sua Glinda no horror do abandono, dominando a Reprise de I’m Not That Girl e rasgando o coração atrás da porta em For Good (Foto: Universal)

Tal característica é evidenciada pela pegada menos solar das interações, e nas raríssimas ocasiões onde o humor escorrega para a superfície, o riso some dando lugar a certa desconfiança. E por falar na negatividade que impera, a adição de músicas inéditas (compostas por Stephen Schwartz) inflou expectativas e murchou-as com as letras pouco inspiradas: o solo de Elphaba funciona melhor no disco do que no filme – onde soa mais ou menos como uma canção que Pink cantaria a plenos pulmões no início da década passada.

Mas é em The Girl in the Bubble que Wicked 2 desperdiça o pulso de Ariana Grande e coloca-a para cantar uma canção de interior frágil e gancho banguela. Se nos palcos a peça pende para o cômico e para o exagero, nos cinemas o trabalho é inverso: Grande investe na voz embargada vez ou outra, e na música nova ela engole o ressentimento e os arrependimentos.

Wonderful ganha a presença de Glinda, no único momento de otimismo da história (Foto: Universal)

Muito mais protagonista, a Bruxa Boa assume para si uma jornada solitária de mentiras e de concessões, ao passo que Elphaba, outra vez ancorada no vozeirão e na presença magnética de Cynthia Erivo, age nas entrelinhas – e mais reage ao mundo de violência do que efetivamente atua contra ele. O grande final, que não tenta nem almeja alcançar o rush de Defying Gravity, apazigua os ânimos com um luto vivido em tempo real – e a cena da porta, um improviso do ensaio que o diretor decidiu incluir no corte final, é testamento da sinergia da dupla de atrizes.

O Fiyero de Jonathan Bailey passa o bastão dramático para o Boq de Ethan Slater, que surge primeiro como serviçal abatido de Nessarose (Marissa Bode), para depois assumir a carapuça do Homem de Lata e transformar o cântico raivoso da marcha em uma promessa de sangue derramado. Entre os dentes metálicos, ele respira ódio e rancor, ciente de que sua vida acabou quando aceitou seguir a Bruxa Má do Leste em direção ao posto do governadora da Terra dos Munchkins. 

Para o Oscar 2026, Wicked tentará repetir as indicações do passado e abocanhar vagas nas disputas de Canção Original e Direção de Elenco (Foto: Universal)

Nessa, que tem o desejo interior trocado na faixa que dá título a sua personagem, cumpre o papel corrido de sua versão teatral, em outra das omissões da direção de Chu. O diretor filma como ninguém a bela sequência do casamento (uma marca registrada de sua carreira desde Podres de Ricos), para depois esquecer de planejar blocagem e movimento de câmera, alternando plano, contraplano e shots de reações. Faltou a Wicked um realizador inspirado tanto pela história quanto pela imagética da coisa toda.

Mas nem tudo são problemas: os momentos de transformação física de Boq e de Fiyero nos Amigos de Dorothy bebem de inspirações do horror, com o Homem de Lata obliterando uma porta de madeira com o machado, e o Espantalho sangrando palha em contraponto ao feitiço de Elphaba. Ao menos nisso sobrou criatividade. 

Essa é para os órfãos da omissão do grito de “Fiyero” no começo de No Good Deed: vocês não estão sozinhos! (Foto: Universal)

Fica evidente, também, como Chu não sabe guiar as canções dentro da história; especialmente quando a montagem de Myron Kerstein não tem abertura de mesclar cenários, personagens e situações. Veja, por exemplo, como No Good Deed, entre voos e gritos de guerra, funciona como videoclipe dinâmico, e For Good, gravado sem sair do âmago da dupla, sofre das mesmas fraquezas de Defying Gravity na Parte 1. A interrupção enrola o ritmo, tornando este um filme de pouco mais de duas horas que por vezes corre em marcha ré.

Gravados de uma só vez, os dois filmes se apoiam nos departamentos técnicos para disfarçar a desordem no roteiro. Nos figurinos de Paul Tazewell, as bruxas maturam para versões concretas de seus ideais na juventude, ao passo que os cenários de Nathan Crowley e Lee Sandales mostram o crescimento de Elphie na residência selvagem e de Glinda no palácio cheio de vazios em que dorme sozinha. A maquiagem e os penteados envelhecem alma e espírito, com destaque para o trabalho de prótese nas grotescas criações do Grimmerie.

Colman Domingo aparece de forma tímida como dublador do Leão Covarde, e até a infância de Galinda é visitada, na cintilante participação da jovem Scarlett Spears. O destaque negativo do elenco, porém, está na voz de Michelle Yeoh, que torna a Madame Morrible intragável de ser ouvida, assim como a versão rejuvenescida do Mágico de Jeff Goldblum, uma criação que nos tira da cena e só evidencia as deficiências dos efeitos. Dorothy Gale passa num borrão de mistério que segue a sina do teatro, e é de lá que For Good resgata sua despedida, com a confidência verde-e-branca que flutua do cartaz de 2003 para a cena de encerramento de 2025 com graça e alegria.

Não havia maneira melhor de encerrar a História Não Contada das Bruxas de Oz (Foto: Universal)

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