Em Task, da HBO, um tiroteio moral

Alimentando os espectadores famintos por um drama de escopo, série do criador de Mare of Easttown só surpreende

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Criatividade é o que não falta na ponta da caneta de Brad Ingelsby, criador de Mare of Easttown que volta ao horário nobre da HBO em outra trama rocambolesca de investigação. A bola da vez é Task, um drama em banho-maria que emparelha os dois lados da lei.

Na frente policial, o agente do FBI Tom Brandis (Mark Ruffalo) está fora de forma. O trabalho na bureau ficou esquecido desde que o filho adolescente empurrou a mãe adotiva da escada e acabou na prisão. Adendo: o passado no clérigo do detetive também ajuda na culpa católica que carrega, encarada entre goles de álcool em todas as noites da semana.

Michael Keaton foi a escolha inicial para o papel de Tom, mas teve de deixar o projeto por questões de cronograma; em seu lugar, Ruffalo angaria comoção para uma segunda vitória no Emmy (Foto: HBO)

Na frente fora da lei, Task encontra a braveza de Robbie Prendergrast (Tom Pelphrey), que viu o casamento ruir com a esposa mudando-se às escondidas, a família colapsar quando o irmão foi morto e tudo ficar mais difícil ao cuidar dos dois filhos pequenos e da sobrinha Maeve (Emilia Jones). 

É fato que, nas tarefas diárias, é a garota quem coloca ordem na confusão, cozinhando, dando banho e questionando os primos quanto aos estudos e aos modos da vida fora da marginalidade. Mas Robbie não é uma espécie de antítese de Tom ou algo do gênero.

Emilia Jones protagonizou CODA, Fabien Frankel está em A Casa do Dragão, Thuso Mbedu brilhou em The Underground Railroad e Alison Oliver foi musa de Sally Rooney em Conversas entre Amigos (Foto: HBO)

Ingelsby, ao lado de David Obzud (que atuou como consultor policial na produção de Mare e agora estreia no roteiro), não busca desenhar alvos em seus personagens falhos. Task leva uma porção de episódios para de fato colocar os homens frente a frente. De cara, o objetivo é outro. Robbie e seu fiel parceiro Cliff (Raúl Castillo, de Looking) usam o emprego na companhia de coleta de lixo para encontrar pontos de venda e distribuição de drogas.

Eles arquitetam roubos estratégicos, realizados após as vendas de grandes figuras. A gangue dos Dark Hearts, a qual o irmão do personagem fazia parte e morreu por conta de questões internas, torna-se um alvo do infortúnio destino. Tiros são disparados e, com perdas para os dois lados, a série arruma coragem para colocar Robbie na guarda do órfão Sam (Ben Lewis Doherty).

Fora da investigação, Tom precisa remediar a situação em casa, ao lado das filhas vividas por Phoebe Fox e Silvia Dionicio (Foto: HBO)

Com uma criança envolvida na conspiração criminosa, o FBI delega a Kathleen (Martha Plimpton) uma força-tarefa, chefiada por um incrédulo Tom. No time de desajustados que são chamados às pressas para uma base cheia de teias de aranha e madeira podre, Task distribui papéis suculentos.

Anthony Grasso (Fabien Frankel) é o garoto problema que cresceu inerte no jogo da vida. Elizabeth Stover (Alison Oliver) não chegou aos trinta e já está divorciada, incapaz de delimitar o que é pessoal e o que é profissional. E Aleah Clinton (Thuso Mbedu) está focada em cumprir as metas, por mais que seu passado de violência venha bater na porta quando o perigo se aproxima.

O pequeno Ben Lewis Doherty rouba a cena na pele do garoto sequestrado (Foto: HBO)

Como Michael Mann decantou na veia artística de Fogo contra Fogo, uma obra seminal da década de 90, Ingelsby não tem pressa ou mostra afobação na maneira que conduz a história. Pistas e descobertas vêm a luz do dia nos momentos mais oportunos e cabíveis, num estudo de personagens comuns em situações que lhes exigem mais do que a carne que carregam.

Task é daquelas produções que classificam o caráter qualitativo e de entretenimento da HBO, uma safra que tornou-se rara nos anos recentes do canal americano. É com frescor e audácia que as ideias do criador ganham forma e, aliadas a um elenco encabeçado pelas melhores performances da carreira de Ruffalo, Pelphrey e Jones, alavancam qualquer um que assista desavisado o novo drama de domingo.

Jamie McShane, Sam Keeley, Stephanie Kurtzuba e Margarita Levieva dão camadas aos personagens imersos na vida da gangue de motoqueiros (Foto: HBO)

Diferente de Mare, concebida como série limitada, Task estará na competição pelos prêmios de drama na vindoura temporada de premiações. Se Brandis, Maeve ou outro dos sobreviventes do cerco voltarão, é questão para outro momento – e nem o criador tem certeza de tais movimentações.

Recusando a ação e o tiroteio pelo tom de espetáculo ou catarse, a direção – cargo dividido entre Jeremiah Zagar e Salli Richardson-Whitfield –, resolve as pendências dramáticas no calor do momento e deixa que o sétimo e último episódio se besunte na calmaria física e na convulsão emocional que Tom precisa encarar. A cena do depoimento no julgamento do filho é antológica e encapsula, ao lado do desfecho de Maeve, o poder de cura e reconstrução que a alma humana é capaz de canalizar, não importa o tamanho da escuridão que tomou conta do lugar até então.

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