Em um mundo onde os dinossauros evoluíram para seres pensantes, um tiranossauro vegetariano surge para nos dar uma lição de humanidade. Horácio: Mãe, escrito e ilustrado por Fábio Coala para o selo Graphic MSP, é uma das obras mais sensíveis já produzidas dentro do universo de Mauricio de Sousa. Um mergulho silencioso na solidão, na ternura e na busca pelo que nos constitui.
Horácio sempre foi um personagem singular. Muito além de uma criação de quadrinhos, ele foi, por anos, o espaço mais íntimo de reflexão do próprio Mauricio, que escrevia e desenhava suas histórias pessoalmente, sem permitir que outros artistas o fizessem. Segundo o quadrinista, era “porque sempre foi nele que mais coloquei as minhas filosofias, o meu jeito de encarar a vida”.
“Sim, é verdade que na trilogia MSP 50, MSP + 50 e MSP Novos 50 alguns dos autores convidados trabalharam com o personagem. Mas eram histórias curtas, de no máximo cinco páginas. Narrativas mais longas, só eu fazia – divididas em capítulos publicados semanalmente, muitas vezes. No entanto, nos últimos seis anos, o selo Graphic MSP se consolidou, deu vida a grandes e inesquecíveis histórias (sobre os mais variados temas) e os leitores passaram a adorar essas releituras. Então, por que não o Horácio? Só era preciso achar alguém com a sensibilidade necessária.”
Talvez seja por isso que esta graphic novel carrega um significado especial. É como se alguém tivesse aberto o diário de Mauricio e continuado suas páginas com respeito e emoção. Algo que Coala, conhecido por suas Mentirinhas, desenvolve com maestria. Uma das suas principais preocupações foi de representar os hábitos dos dinossauros e outros animais daquela época da forma mais fiel possível. Por isso, fez questão de trabalhar com os paleontólogos Aline Ghilardi e Tito Aureliano, conhecidos como Colecionadores de Ossos, e Felipe Alves Elias, especialista do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo, para dar mais vivacidade a história do pequeno tiranossauro.
O enredo parte de uma ausência: Horácio nunca conheceu sua mãe. Movido por essa lacuna, ele parte em uma viagem para encontrá-la. O caminho, no entanto, revela-se mais transformador que o destino. Acompanhado por Napinho, um pequeno animal que, a princípio, o teme, Horácio descobre no outro o reflexo daquilo que procura: o afeto, a amizade e a certeza de que a gentileza pode ser um ato de resistência em um mundo que celebra a força bruta.

Enquanto seguimos a trajetória dos dois, Coala costura uma segunda linha narrativa: a de uma mãe tiranossauro tentando proteger seu ovo. Essa alternância de tempos e tons, marcada por cores e ausência de diálogos, cria um paralelo emocional entre passado e presente. É um jogo de contrastes, entre o que é dito e o que é sentido, que dá à obra sua força mais profunda.
Visualmente, Horácio: Mãe é um espetáculo. A arte de Coala é vibrante e emocional, explorando o uso das cores como linguagem. O verde, que envolve o protagonista, traz serenidade e vida; já os momentos de perigo e lembrança ganham tons densos, quase simbólicos. Em muitos quadros, especialmente envolvendo o passado, não há palavras. E justamente por isso, o silêncio fala mais alto.
Mas o que realmente torna essa história inesquecível é a humanidade que ela carrega. Horácio, com sua postura questionadora e recusa em aceitar a “lei da selva”, representa o desejo de ser diferente sem perder a ternura. Sua jornada é, no fundo, uma metáfora para todos que procuram um lugar de pertencimento e descobrem, no caminho, que família é também aquilo que a gente constrói.

Horácio: Mãe é uma fábula moderna, feita de silêncio e sentimento. Uma história que não precisa gritar para tocar fundo. No fim, talvez o que Coala nos mostra é que a busca por nossas origens é, na verdade, um caminho para dentro e que, mesmo sem conhecer a mãe que o gerou, Horácio encontra um sentido no amor que ele espalha.
É uma leitura breve, mas inesquecível. Daquelas que deixam um eco no peito e fazem você fechar o livro devagar, como quem se despede de alguém querido. Fábio Coala entrega uma obra que honra o legado de Mauricio de Sousa e, ao mesmo tempo, imprime sua própria voz: doce, emotiva e profundamente humana.


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