Quem é Hannah Horvath? Para quem não enxerga, é a escuridão. Para quem não ouve, é o silêncio. Para quem não crê, é a fé. Em resumo, a protagonista-criadora-matriarca de Girls representa uma miríade de emoções negativas que se transformam em carne viva na interpretação de Lena Dunham. A 3ª temporada vai direto ao ponto: a jovem escritora pode desagradar, mas ela não vai a lugar nenhum.
Na verdade, como a season finale aponta, Hannah vai viajar sim, mas não vem ao caso no momento. Fato é que os 12 episódios da vez novamente posicionam a personagem no centro de uma NY cheia de problemas, reclamações e angústias. Ela é a brat original, ponderando, na mesma respiração, sobre o futuro na carreira, a imagem que enxerga no espelho e as possibilidades de ser mãe ou esposa, ou qualquer figura a ela imposta pelas gerações anteriores.

Seus pecados são imperdoáveis para a mesma audiência que ocasionalmente expia as consequências de figuras masculinas da série. Adam (Adam Driver), por exemplo, é um poço de egoísmo que passa despercebido pelos olhares inquisitivos. Hannah não é santa – está mais para diaba -, e irrita pela veracidade e pela insistência que Dunham imprime no roteiro e na atuação. Ela é chata e sabe disso, usando o mecanismo quase como um escudo que faz bico de lança.
Embora os dilemas de Hannah sejam o ecossistema da terceira temporada, as amigas ganham migalhas de tempo de tela ao longo dos capítulos. Em Females Only, estreia do ano, Jessa (Jemima Kirke) está sendo expulsa da reabilitação, e precisa de carona para casa. No centro para ajuda aos adictos, a série apresenta o insosso Jasper (Richard E. Grant) e a temerosa Laura (Danielle Brooks), além da presença relâmpago de Kim Gordon como uma punk rock aposentada e de Debra Monk (a Armstrong de The Gilded Age), como a chefe do reduto.

O declínio de Jessa depois do encontro com o pai resulta numa coleção de desagrados: ela consegue emprego numa loja de roupa infantil mas logo é cooptada pelo vício de Jasper, que ressurge munido de cocaína e muitas ideias criativas. Quem pisa no freio da amiga é Shoshanna (Zosia Mamet), que localiza a filha do homem, papel de Felicity Jones, e manda-o de volta para o próprio universo. Resta a Jessa, portanto, bater de porta em porta até conhecer Beedie (Louise Lasser), uma artista cadeirante que lhe implora dois favores, arquivar obras e ajudar no suicídio assistido.
A caçula do grupo, Shosh, vive um ano de festas, sexo e pouco estudo. Mas é em contraste ao arco dela que Girls desenvolve Marnie (Allison Williams), que após o término com Charlie engata numa relação complexa e cheia de sussurros com Ray (Alex Karpovsky). A bomba demora a explodir, embora Marnie leve tudo isso com a leveza e a antipatia que lhe são de praxe: ao contar para a amiga do caso com o ex dela, a cantora já está enamorada por Desi (Ebon Moss-Bachrach), o colega de teatro de Adam que chega conquistando corações com seu violão e voz aveludada. Problema: Desi namora Clementine (Natalie Morales), e Marnie sabe bem disso.

Voltando a fita, é bom entender o andamento dos acontecimentos: Hannah lida com a morte de seu editor, papel de John Cameron Mitchell, e com a jaula jurídica que seu projeto de livro digital se meteu. Em outra crise que suga o ar do ambiente, a personagem arruma um emprego na revista GQ como redatora publicitária, e lamenta até que a chefe mande-a catar coquinhos. No intervalo, Hannah veste a carapuça de pobre coitada e envenena todas as relações, distanciando-se de Marnie e cobrando Adam de mais atenção que o comum.
Ele, que recebe a visita da irmã Caroline (Gaby Hoffmann) num mar de gritos e ameaças, enfim consegue certa autonomia ao ser contratado para uma peça da Broadway. Para se concentrar, se muda temporariamente, o que irrita Hannah, preparando-a para o inevitável retorno de karma. O acontecido toma parte minutos antes das cortinas se abrirem, quando ela conta da faculdade de pós-graduação em Iowa e desestabiliza o namorado. Típico deles.

A panela de pressão da vida de Hannah implode quando as amigas viajam para a casa de praia de uma amiga da mãe de Marnie, e são acompanhadas, sem o convite, por Elijah (Andrew Rannells, de volta a Girls) e seus amigos. Primeiro um deleite de fanfarra e liberdade, o episódio assume tons bruscos na discussão que acontece entre as protagonistas. Pela primeira vez em três anos, a série deixa o freio de mão levar o peso das relações para o abismo.
Sem procurar atenuar as frases e julgamentos de uma para outra, Dunham orquestra uma briga digna do horário nobre da HBO – e que revela tanto sobre quem está xingando quanto quem está sendo xingada. Para coroar o momento, a manhã seguinte reagrupa as garotas nas tarefas domésticas. Em silêncio, as quatro contribuem para a manutenção do local, cientes de que, apesar das feridas, elas são conscientes o bastante para funcionarem em harmonia. Com direito, é claro, a coreografia da noite anterior enquanto esperam a carona de volta para a cidade.

Incidentals, episódio 8, não traz apenas a chegada de Desi, já que é aqui que Hannah entrevista Patti LuPone para a revista e acaba falando mais sobre a situação com Adam do que o assunto do anúncio. O resultado é um repeteco da participação da lenda do Teatro, num jantar acompanhado por Elijah e Peter (Reed Birney), marido da diva que deixou a carreira para trás em favor do estrelato da esposa.
E para cada descuido de Hannah com a própria situação, a série faz questão de comparar com o cenário maior. Este é o mote do episódio-garrafa Flo, batizado em homenagem à avó da protagonista, vivida por June Squibb. Prestes a falecer, a idosa é recebida no hospital por todas as mulheres da família, e Hannah está no balaio, gerando até um acidente de carro com a prima no volante. Adam chega correndo para o resgate e mente para a senhorinha, prometendo que os sinos do matrimônio baterão para os pombinhos no futuro próximo.

Marnie Michaels: Sabe, toda manhã eu acordo me sentindo super bem, pronta pra encarar o dia, tipo, sei lá, com vontade até de dar “bom dia” pra estranhos, coisa que eu normalmente odeio. Mas aí, sem erro, sempre acontece alguma coisa na loja de iogurte que ferra tudo e acaba com o meu dia.
Nublada, a conclusão do terceiro ano de Girls não deixa que as personagens respirem entre decisões amorosas, desvios de carreira e a tão familiar sensação de fracasso que parece vir de fábrica quando completamos vinte e poucos anos. Para Marnie, a menos afetada pelos arredores do egoísmo, o futuro com Desi parece solar. E vale destacar: a música que eles cantam na noite de open-mic foi escrita por Jack Antonoff, que na época era namorado de Lena Dunham.
Para uma audiência que insiste em detestar personagens femininas que fogem ao padrão idealizado, Girls continua uma experiência árdua de empatia e entendimento. Nas premiações, o fogo de novidade diminuiu, com o Emmy 2014 lembrando de Dunham e Driver, ao passo que Critics Choice Awards indicou apenas a atuação convidada de Andrew Rannells. Com outras três temporadas pela frente, haja terapia para as garotas (e que o salário de psicólogo do personagem de Bob Balaban faça valer o esforço).
Deixe um comentário