A protagonista que Miranda July escreve é uma reflexão da própria personalidade — juntas, as mulheres chegam a um impasse tremendo: a crise da meia-idade. Potencialmente devastadora e mortal, com conexões cerebrais inverossímeis e muita tensão descarregada aos ares, um livro chamado De Quatro aparece para eternizar os sacrifícios e reflexões.
Miranda July é artista, já dirigiu filmes, clipes musicais e trabalhou no meio criativo. Desta vez, usa os instrumentos da ficção para narrar a viagem que fez quando completou quarenta e cinco anos, de sua casa até o outro lado da América, em Nova York.
Pelo menos essa era a ideia, mas uma passagem por Monrovia, na Califórnia, e uma hospedagem num motel de beira de estrada mudou por completo o cronograma. Ela conheceu um rapaz mais jovem, contratou a esposa dele para redecorar o quarto alugado do chão ao teto e gastou o dinheiro da viagem com essa empreitada.
“Foi onde me tornei quem sou – ou, ao menos, um eu que duraria muito tempo”.

Através de uma escrita foragida das convenções dos romances de formação e amadurecimento, July impregna sua Literatura com a jocosidade e as intermináveis DRs que as mulheres têm consigo mesmas. O sexo é agente ativo das transformações da personagem, que entra em crise e leva o leitor por um espiral de culpa e liberdade sem limites.
Entre as novas experiências com o dançarino Davey e as memórias familiares do marido Harris (“Claro que ele é um gato, implacável, perspicaz, mas isso pouco importaria se não houvesse essa lealdade estranha, quase piedosa, entre nós”) e de filhe Sam, a protagonista navega com ajuda de remédios para dormir e muita força de vontade e concentração. Só para, quando acabam os dias da viagem, ela precisar voltar a monotonia da rotina de mulher casada e mãe exemplar.
“Qualquer coisa pode virar um ritual, basta que lhe demos o nome antes que chegue ao fim. Esse foi o Ritual da Permissão. Permito-vos que fodas meu marido. Arrematamos com todas as almofadas floridas, uma por uma”.
Caso raro de uma protagonista falha e disposta a errar antes de considerar fazer “o que é certo”, De Quatro é um manifesto público para com as mulheres e pessoas destinadas a se reinventarem para além do prazo de validade que a sociedade estipular para tais mudanças.
Seja no campo profissional, onde ela está empacada com a criação de um novo projeto, ou no pessoal, território onde o casamento é menos polvoroso que antes e a criação de Sam demanda que uma faceta seja levantada e alimentada, a mulher é alçada ao inexplorado mundo das cinzentas decisões.
“As grandes mudanças sempre acontecem assim, não ao longo de uma vida, mas em intervalos de gerações”.

Ela se volta a uma amiga, e até à antiga amante do homem por quem está obcecada, rendendo cenas de teor cômico e trágico impossíveis de passarem despercebidas. De Quatro é menos uma aventura na estrada com a mulher, e mais um aglomerado hiperbólico do que significa ser quem se é num mundo que rejeita os rótulos e odeia aqueles que desafiam as regras.
July é engraçada, escreve desilusões como ninguém e até se joga numa fossa amorosa que chega a dar dó. Tudo isso amparada pela certeza de que, ao final do corredor, as pessoas que ama estarão lá para servir de apoio e fortalecimento; nem que seja por pena, a incerteza do futuro é menor quando vivido ao lado deles.
“- Todo mundo acha que a posição do cachorrinho é muito vulnerável – disse Jordi -, mas é uma das mais estáveis. Como uma mesa. É difícil cair quando se está de quatro”.
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