O interesse do porto-alegrense Tobias Carvalho pelos sonhos e pela ideia de consciência dentro deles gerou um livro. Visão Noturna reúne quatro pequenas histórias que, de tão bem estruturadas e criativas, deixam um amargo gosto de final abrupto e a certeza de que mais seria bem-vindo e encorajado.
Publicado em 2021 pela Todavia, a edição ganha uma capa etérea e que hipnotiza, com o texto jogando o leitor no primeiro conto, Turno da Noite. Aqui, a abordagem de uma obra onírica ganha forma de modo direto: o protagonista investe em todas as técnicas possíveis para aprimorar suas sensibilidades e aproveitar a hora de dormir ao máximo.
Nesse reino invisível e imaginário, conhece uma mulher que mora do outro lado do mundo e nem fala a mesma língua que ele. Mas ali nada importa além da efervescência dos encontros, com passeios lunares, aprendizados milenares e um amor que até então parecia ficção na vida de ambos.

Arromanticidade, por outro lado, apimenta o núcleo de Visão Noturna com uma história que começa na infância e amadurece nas sombras de um erro. Mãe e filha compartilham o trauma de, no aniversário da pequena, negligenciarem uma coleguinha que se queimou antes da festa começar. Nunca enterrada, a mágoa perdura nos anos seguintes.
A mãe é sensível, e sofre muito com o afastamento da filha e sua vida adulta à mercê da companhia familiar. O resultado é um labirinto de intrigas e rusgas pessoais que ganha fôlego na incerteza e na impossibilidade de contato. Ao passo que a mãe alimenta as próprias dúvidas e medos, a filha fornece gasolina para o fogaréu.

Em Hermílio e Ygor, Carvalho volta sua atenção a uma jornalista cultural que viaja a fim de cobrir um festival de música ambiental. Chegando no local, uma cidade do interior que acumula segredos e mitos, ela é atravessada por ecos do passado envolvendo um velho escritor com fama de vidente e um jovem prodígio que busca a fama do outro.
Com questões que dizem respeito aos laços indígenas daquela terra, a repórter passa por maus bocados ao evidenciar as estranhezas e as coincidências dos fatos. Até uma morte por ataque de onça toma parte ali, mas as ameaças são grandes demais para serem ignoradas.

Por último, o conto Eu tenho um sonho recorrente devolve a realidade palpável de um homem gay que não para de sonhar com os valentões dos tempos da escola. O cenário é a neblina de uma piscina aquecida, com todos os garotos nus, dentro d’água. Ele é convidado a entrar e nadar até a outra margem, mas sempre acorda antes de alcançar a borda.
Seu terapeuta sugere investigar, com direito a visita ao antigo colégio e até o rastreio do tal colega de classe. Quando encara essa imagem borrada de quem foi um dia, o protagonista lembra também daquilo que sua cabeça apagou, uma melhor amiga que do nada desapareceu. É muito para entender e mais ainda para ele assimilar, mas a escrita de Carvalho propicia uma jornada na terra dos sonhos não só para seus personagens em crise, mas também para seus leitores ávidos por enigmas.
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