A ridícula ideia de nunca mais te ver eterniza as viúvas criativas 

Autora espanhola Rosa Montero espelha a o luto de Marie Curie em livro de emoções expostas

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Rosa Montero não queria falar sobre a morte do marido, mas precisou (“escrevo romances cujas peripécias não têm nada a ver comigo, mas que representam fielmente meus fantasmas”, ela define). Adepta à ficção e temerosa em misturar elementos de sua vida nas obras literárias, a saída para narrar o luto pela perda de Pablo Lizcano, companheiro de duas décadas, estava escondida no passado.

Em A ridícula ideia de nunca mais te ver, a jornalista e escritora espanhola visita a origem de Marie Curie, também viúva de forma prematura, para traçar paralelos, descobrir pontos cegos na História e enfim canalizar a dor e sofrimento que desaguaram após a luta do esposo contra um câncer.

“Se você conseguir falar a respeito das suas angústias, está com sorte: significa que não é nada de tão importante”.

Rosa Montero marcou presença na edição de 2025 da Festa Literária de Paraty (Foto: Reprodução)

“Quero saber tudo sobre ele. Se pudesse saber tudo, absolutamente tudo, seria como se ele não tivesse morrido”.

Pierre, o marido de Curie, morreu de forma mais afoita: atropelado por um bonde, já muito frágil pelos anos de radiação nos trabalhos que envolveram a pesquisa do casal. Mas o destino não foi menos brando no sofrer da polonesa, que no livro é observada com encantamento e certa ilusão de desejo por Montero.

A toda hora buscando a mulher por trás do mito, a narrativa mescla, sem esforçar-se, duas histórias muito distintas e próximas no coração. É mágico ler sobre um casamento do século XIX que, envelopado na Europa em ebulição pelas descobertas e pela evolução dos meios de trabalho, frutificou em um legado impossível de ser esquecido.

De Madame Curie à Lady Gaga e fotos do acervo pessoal da autora, o livro é um convite visual ao momento de epifania de Montero (Foto: Reprodução)

“Exceto nas óperas e nos melodramas, a morte é um anticlímax”.

Com trechos dos diários de Curie – nas poucas palavras que ela escreveu sem estar atrelada à Ciência -, a edição da Todavia, traduzida por Mariana Sanchez, referencia momentos de felicidade, ponderamentos e até de desequilíbrio de Curie. No apêndice, o leitor confere a íntegra dos relatos.

Montero, em passadas leves e intrinsecamente costuradas aos passos de Marie, fala de si própria, do casamento, do câncer e de tudo que veio antes, durante e depois da morte de Pablo. Menos um trabalho de autoficção aos moldes da Literatura contemporânea, A ridícula ideia de nunca mais te ver serve de febril catalisador para o papel das palavras: que unem e saciam certas sedes ancestrais.

“E é preciso esculpir esse relato redondo na pedra sepulcral da nossa memória. Marie não pôde, é evidente, por isso escreveu aquele diário. Eu tampouco pude, talvez por isso escrevo este livro”.

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