Jurassic World: Recomeço tenta renovar, mas tropeça no passado

Novo filme da franquia Jurassic World mira em virada de página, acertando no reciclado ao repetir erros dos anteriores

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Ser o sétimo filme de uma franquia de sucesso, cimentada como uma das mais icônicas da História do Cinema, com certeza traz consigo uma boa dose de expectativas. Com nomes de destaque como Scarlett Johansson e Mahershala Ali compondo o elenco, um retorno à narrativa mais centrada e “micro”, ambientada em uma ilha e a promessa de uma nova era para a saga, Jurassic World: Recomeço tinha tudo para dar certo. Não é? 

É, parece que não. E os problemas começam logo na premissa. Passando-se cinco anos após os eventos de Jurassic World: Domínio, o longa mostra que os dinossauros não conseguem sobreviver ao clima atual do planeta, ficando restritos à pequenos bolsões próximos à linha do Equador. Em um deles, a ilha de Saint Hubert (sim, mais uma ilha!), estão localizadas as ruínas de uma instalação de pesquisa para o parque original, e também três espécies de dinos que, em teoria, poderiam conter em seu material genético a chave para o desenvolvimento de um remédio revolucionário para cardiopatias em geral, o que é de grande interesse para uma corporação farmacêutica. 

A presença de tela e carisma de Scarlett Johansson, Jonathan Bailey e Mahershala Ali traz respiro positivo para a franquia, apesar do roteiro não se aprofundar em seus personagens (Foto: Universal Pictures)

É assim que a protagonista Zora Bennett (Scarlett Johansson) faz sua primeira aparição, recrutada pelo executivo Martin Krebs (Rupert Friend) para coletar o sangue de três dos maiores dinossauros ainda vivos. Juntando-se a eles, estarão o paleontólogo Dr. Henry Loomis (Jonathan Bailey), o capitão Duncan Kincaid (Mahershala Ali), e alguns outros coadjuvantes, presentes em tela apenas para serem devorados pelas criaturas. Paralelamente, temos também uma família, composta pelo pai Reuben Delgado (Manuel Garcia-Rulfo), a filha adolescente e seu namorado preguiçoso (possivelmente o personagem mais raso e insuportável de toda a franquia), e a filha criança, cujo veleiro é atacado pelo mosassauro e, por um empurrãozinho do roteiro, acaba ilhada juntamente com os outros personagens. 

Ambos os núcleos contam com diversos momentos de diálogos durante o primeiro ato do filme, buscando construir os personagens, seus relacionamentos e motivações para estarem naquela situação, mas o pouco que passa do raso esbarra no genérico, e qualquer tipo de impacto que isso venha a ter no decorrer do filme é executado sem qualquer sutileza. Afinal, quem poderia imaginar que a mercenária que perdeu a mãe para uma doença cardíaca teria uma mudança de atitude ao perceber que a corporação malvada quer usar o remédio para lucrar trilhões de dólares, não é mesmo? 

Retorno ao cenário de uma ilha faz bem para trama e ritmo do filme, mas não é o suficiente para chegar perto do impacto inicial da franquia (Foto: Universal Pictures)

Recomeço até faz um movimento, mesmo que raso, de trazer um comentário sobre o público não ter mais interesse nos dinossauros, em uma tentativa de autorreflexão sobre a saturação da franquia no cinema. Mas o argumento perde qualquer força ao lembrarmos que o primeiro Jurassic World (2015) já fez esse exato apontamento, com a perda de interesse do público nas atrações do parque sendo o grande motivo que levou ao desenvolvimento de híbridos geneticamente modificados. 

A direção de Gareth Edwards, responsável por Godzilla (2014) e Rogue One: Uma História Star Wars (2016), e o roteiro escrito por David Koepp, responsável pelo texto do Jurassic Park de 1993, até conseguem trazer alguns respiros e momentos de destaque. A sequência do tiranossauro perseguindo a família em um bote, retirada do primeiro livro de Jurassic Park e não adaptada para o primeiro filme é, de longe, um dos melhores momentos de Recomeço, assim como sua cena de abertura, mostrando o acidente responsável pela fuga do novo híbrido e principal ameaça, o Distortus Rex (ou D-Rex), que espalha o caos pelo laboratório. Mas, cenas esparsas não são o bastante para salvar uma obra que é, em sua maior parte, confusa, repleta de furos e que, sinceramente, não sabe o que quer dizer. 

Cena de perseguição do T-Rex à família em bote inflável é ponto alto do filme (Foto: Universal Pictures)

Apesar do ponto positivo de ser um dos únicos filmes da franquia (além do Jurassic Park original e, em alguns momentos, Jurassic World: Reino Ameaçado) a buscar uma maior atmosfera de suspense e até mesmo terror em alguns momentos, o longa parece não se decidir quanto ao tom que quer adotar. Temos boas cenas com construção de tensão, apenas para serem destruídas por algum personagem fazendo alguma gracinha ou estupidez, pensada como alívio cômico para a audiência, mecanismo especialmente presente envolvendo o núcleo da família (que, por sinal, é totalmente esquecível e poderia ser facilmente retirado do filme). E, como o Universo Cinematográfico da Marvel já provou várias vezes, essa é uma fórmula que não está apenas desgastada, mas também tira qualquer impacto dramático do momento. 

O roteiro sofre até mesmo com a falta de interesse em seu próprio antagonista, o D-Rex, apresentado inicialmente e deixado de lado até o último ato, sem nenhum desenvolvimento quanto à sua origem ou suspense com relação à ameaça que a criatura deveria representar. Nem mesmo sua aparência é mantida como fator surpresa, sendo revelada logo de cara na sequência inicial, tirando qualquer impacto que seu visual grotesco poderia trazer. Um verdadeiro desperdício, ficando em pé de igualdade ao Giganotossauro, de Jurassic World: Domínio, como concorrente à antagonista mais esquecível da saga. 

Novo híbrido da franquia teve visual inspirado em Rancor (Star Wars) e no Xenomorfo (Alien) [Foto: Universal Pictures]

“Esquecível”, infelizmente, é a palavra que melhor define Recomeço. É um filme que chega muito perto de brilhar em vários momentos, mas não sabe onde quer chegar e nem a mensagem que quer passar. O que ele tem a dizer já foi dito anteriormente e de forma mais bem construída, e o pouco suspense que tenta trazer é arruinado quase que de imediato em sua tentativa de arrancar uma risadinha do espectador. É realmente uma pena ver uma franquia tão relevante, que atingiu o sucesso justamente por sua capacidade de surpreender o público com uma trama e visuais originais, ser relegada a ideias recicladas e uma execução que aposta no familiar em detrimento da criatividade e coragem que nos deram o primeiro Jurassic Park. Pelo menos, dessa vez, não fomos obrigados a assistir Chris Pratt domando um Velociraptor com o estender de um braço. Quem sabe na próxima. 

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