Na 4ª temporada, The Bear distribui desculpas

Os chefs de Chicago voltam à cozinha sem o caos estridente do passado

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Como se o ambiente altamente competitivo da culinária não fosse alarmante o suficiente, a 4ª temporada de The Bear coloca um relógio na cozinha. A contagem decrescente começa em mil quatrocentos e quarenta horas; o número equivale a dois meses, tempo que o restaurante tem para se firmar antes de sangrar mais do que lucrar.

Se o ano anterior ficou marcado pela resposta negativa da audiência e por fragmentos sentimentais à derivas, The Bear firma como missão uma retomada. Gravadas juntas, as seasons apresentam temas conjugados, mas o que Christopher Storer usa para destacar uma da outra é o crescimento dos cozinheiros.

Carm, que começa a temporada assistindo a uma reprise de Feitiço do Tempo, se desprende do passado e até cura algumas feridas, como quando cozinha para a mãe Donna (Foto: Disney+)

A calmaria depois da tempestade da chegada de Carmy (Jeremy Allen White), seguida da reforma do espaço físico e a explosão que tomou conta dos funcionários, e chega a hora de respirar e procurar saídas materiais para os problemas internos e externos da estrutura. Personagens secundários, caso de Tina (Liza Colón-Zayas), Marcus (Lionel Boyce) e Sugar (Abby Elliott), têm menos a resolver no novo ano.

Vencedora do Emmy pela temporada 2, Tina luta contra um pequeno cronômetro, buscando a meta de cozinhar uma porção refinada de massa em menos de três minutos. Já Marcus enfrenta as burocracias na venda da casa da mãe, mas também é amparado pela presença de Luca (Will Poulter), que segura as pontas no restaurante, oferecendo trabalho em troca de um salário temporário.

Depois de dirigir o destaque da temporada anterior, Ayo se junta a Lionel Boyce para escrever Worms, capítulo focado na epifania de Syd (Foto: Disney+)

Richie (Ebon Moss-Bachrach), mais seguro na posição de pai separado, contrata a equipe por quem se apaixonou em Forks, enriquecendo a disciplina e a produtividade do local. Com Jessica (Sarah Ramos), o primo Berzatto compartilha alguns fantasmas, mas agora sob a ótica esperançosa e nada maculada de sua reconstrução como ser humano capaz de ser comunicativo e assertivo.

No melhor trabalho da carreira, Ayo Edebiri interpreta uma versão mais descontrolada de Sydney, em constante dúvida de qual futuro seguir. A proposta de Adam Shapiro, interpretando uma versão fictícia de si mesmo, segue quente na mesa, deixando a jovem em clima de ataque dos nervos. Em pesadelos, com a cozinha em dilúvio, representa-se o estado emocional que ebule no ataque cardíaco do pai, papel de Robert Townsend, e depois na catártica gritaria da season finale.

Aceitando a anomalia criativa e técnica da temporada 2, The Bear abraça a calmaria e faz um episódio de matrimônio sem tensões do passado (Foto: Disney+)

Fica claro, pelo andamento mais controlado do roteiro, que The Bear entende as falhas do contemplativo ano 3, desta vez mirando em resolver conflitos em vez de inflamar rusgas inéditas. A própria Syd protagoniza uma silenciosa revolução em Worms, com roteiro de Edebiri e Boyce e direção de Janicza Bravo (Zola, Atlanta, Mrs. America), e participação mais do que esplêndida de Danielle Deadwyler. Na tarde que passa com as tranças sendo refeitas, Sydney conversa com a prima mais jovem e tira dali uma saída sólida para os problemas que vivem no campo imaterial.

Justo na veia do perdão, Carmy recolhe os cacos da relação inacabada com Claire (Molly Gordon) e dá o seu melhor para remendar a hemorragia. O resultado se mostra mais positivo e cauteloso do que o histórico do chef – e tamanha sensação de alívio que ele direciona a mentalidade para a conflituosa troca com a mãe Donna, em outra entrega sublime de Jamie Lee Curtis.

Uncle Jimmy (Oliver Platt) e Uncle Computer (Brian Koppelman) ganham destaque, especialmente no lado financeiro e administrativo do negócio [Foto: Disney+]

Os mais velhos membros do clã Berzatto são adereçados com a simpatia que apenas o tempo é capaz de dedicar. O episódio 7, intitulado Bears e passado todo na festa do casamento de Tiffany (Gillian Jacobs) e Frank (Josh Hartnett), repete a lista de elenco do catastrófico Fishes, mas emula as emoções na chave da serenidade.

De surpresa, a aparição da frenética prima Francine (Brie Larson) apenas desarranja os mecanismos de Sugar, já que o restante do pessoal quer mais curtir do que discutir. E voltam todos: John Mulaney, Sarah Paulson, Bob Odenkirk e a trupe dos Fak, em momentos de conversa e troca honestas. Por esse episódio, The Bear justifica a tese branda do quarto ano, que termina com o relógio zerado e Carmy de olho na aposentadoria.

A chegada da sobrinha Sophie reconecta Carm ao mundo real e dá vazão ao belíssimo episódio 6, quando a bebê visita o restaurante (Foto: Disney+)

Goodbye, a season finale, dá conta de resolver as rusgas entre os personagens, numa discussão que cresce na veia teatral e tem cara de fim da série. Para todas as tramas atadas, The Bear deixa a porta aberta para a confirmada temporada 5. Afinal, os esforços de Ebra (Edwin Lee Gibson) ao lado do consultor Albert (Rob Reiner) para transformar o restaurante em lucrativo não podem passar despercebidos, certo? 

A resposta, embora nebulosa, é maculada pelas diversas postagens do elenco, que parecia referir-se ao quarto ano como o derradeiro e conclusivo. Perigando tornar-se repetitiva e enfadonha, a cria de Christopher Storer e Joanna Calo oxigena os cozinheiros, encaminhando-os para o precipício das epifanias, sejam elas na forma de uma perda total do vínculo alimentar ou, ao inverso, na assinatura de parceria que tira um Berzatto de cena e o substitui por outro. Com essa família, a definição costuma surpreender. 

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