Toda sexta é 13: Garota Sombria Caminha Pela Noite

Heroína, discos e gatos

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Não há salvação em Bad City. Recheada de almas perdidas, prostitutas, traficantes e viciados, a cidade possui um número restrito de vidas em movimento. Com seus dentes fincados na terra, as torres de petróleo drenam essa já pálida e zonza comunidade e as interações entre seus moradores é sempre mediada pela violência. Por isso que, para uma jovem mulher, andar sozinha pelas ruas noturnas de Bad City não é uma boa ideia. A não ser, claro, que você seja uma vampira.

É através da simplicidade que Garota Sombria Caminha Pela Noite cava seus buracos mais profundos. O que pode soar inicialmente como um filme feminista de vingança se desenrola em uma teia ampla de relações deformadas que buscam afeto em meio a um cenário de desesperança. E é nas sombras desse cenário que A Garota (Sheila Vand) age, subvertendo o papel de presa em predadora e se alimentando do sangue de homens nefastos. Em cima de um skate, potencializada pela fotografia em preto-e-branco, seu chador lhe dá ares fantasmagóricos como uma capa e permite que A Garota transite por esses espaços esquecidos, à espreita. 

Em seu primeiro longa-metragem, Ana Lily Amirpour brinca deliberadamente com a régua moral do espectador. Ao colocar sua vampira frente a frente com o personagem a quem gradualmente vamos nos afeiçoando, ela nos desafia a adivinhar o seu destino, abrindo duas portas e não atravessando nenhuma. Arash (Arash Marandi) busca seu lugar em Bad City enquanto tenta equilibrar o vício do pai com sua própria juventude partida. Vestido de Drácula e com ecstasy no organismo, encontra nA Garota uma possibilidade remota de um romance hipnótico que o puxa para fora de si mesmo.  

Essa pequena centelha entre os dois é o suficiente para que Amirpour bote fogo em Garota Sombria… e nos convide a queimar junto. Sutilmente, A Garota e Arash se rebelam contra uma maniqueísta visão de mundo e, entre a maldade e a bondade do ser humano, encontram um meio-termo para chamarem de seu. Nessa altura da narrativa, o vampirismo já não é mais um dilema moral. Ele sabe, mas não pergunta. Ela sabe, mas não responde. E isso é o suficiente. 

Gravado na Califórnia em 24 horas e escrito e dirigido por Amirpour, filha de iranianos, Garota Sombria Caminha Pela Noite é uma fábula falada em farsi que se transforma em uma curiosa história de amor e identidade. No fim, A Garota Solitária do título em inglês já não é mais tão solitária assim. 

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