Assim como a maioria das pessoas que jogaram Uncharted e Tomb Raider, a ideia de um jogo de Indiana Jones me deixou apreensivo. Entre Nathan Drake e Lara Croft, será que há espaço para outro arqueólogo aventureiro no cenário atual dos videogames? Felizmente, essa pergunta é respondida com um sonoro sim! por Indiana Jones e o Grande Círculo, distribuído pela Bethesda e desenvolvido pela sueca MachineGames, responsáveis por revitalizar Wolfenstein, outra franquia baseada em dar socos e tiros em nazistas. A nova aventura de Indy ao redor do mundo se passa um ano após Caçadores da Arca Perdida, quando um roubo misterioso ao museu atiça sua curiosidade e o leva à uma corrida contra o tempo para impedir que uma série de relíquias milenares seja usada na guerra que se aproxima.
Apesar de seu título pouco atraente, O Grande Círculo é Indiana Jones em toda a sua glória pulp, com toda a ação, comédia e charme que esperamos de um filme do personagem. De fato, é até engraçado o quão mais memorável a aventura interativa estrelada pelo dublador Troy Baker é do que o último filme de despedida estrelado pelo lendário Harrison Ford. Enquanto a Relíquia do Destino fica obcecado em reviver o passado para esconder sua falta de novas ideias, O Grande Círculo se deleita em explorar os espaços entre-atos, dando forma e contorno aos anos pós-Marion e usando referências e easter eggs de maneira elegante e divertida. Até mesmo a apresentação do jogo, que recria à letra a abertura do primeiro filme, é inserida organicamente na trama e não é uma recompensa por ter passado tempo suficiente com a história nova.
A perspectiva em primeira pessoa, característica dos jogos da desenvolvedora, é usada para diferenciar o título das franquias parecidas, mas é misturado com momentos em que a câmera se afasta e podemos ver Indy se balançando em seu chicote ou tendo que se pendurar precariamente em um parapeito. A mistura reminiscente dos jogos de Deus Ex é uma forma brilhante de nos dar a chance de estar nos pés do arqueólogo ao mesmo tempo em que nos oferece o prazer de observar seus feitos físicos. Longe de ser como o ladrão azarado da Naughty Dog ou a saqueadora de túmulos da Eidos, há um peso intrínseco no movimento de Indy que não vem necessariamente de um compromisso com o realismo, mas com o desejo de aproximar as ações do avatar virtual com as de sua contraparte cinematográfica.
De fato, esse desejo parece guiar todos os elementos estéticos e mecânicos do game: tudo é feito de forma a incorporar os mais variados aspectos da franquia para a construção de uma aventura autêntica de Indiana Jones. Esse tipo de devoção radical se tornaria enjoativa rapidamente em mãos menos capazes, mas há genuinamente tanto amor e carinho posto em cada detalhe que é quase impossível não se apaixonar pelo conjunto do pacote, que inclui uma campanha single player longa de mais de 30 horas para aqueles que desejam explorar ao máximo cada canto do cenário.
Assim como em sua perspectiva híbrida, o jogo mistura uma narrativa linear com exploração em mundo aberto em que oferece aos jogadores a oportunidade de comandar o ritmo da aventura e o grau de envolvimento com os personagens secundários da trama. Indy pode se distrair do objetivo principal para explorar livremente o ambiente em três momentos e países distintos, indo atrás de relíquias perdidas, livros de aventura que oferecem novas habilidades e disfarces para poder se infiltrar mais facilmente no meio dos fascistas. As possibilidades são habilmente traçadas através do caderno de Indy, um dispositivo diegético que evita pausas na ação dramática, mas que também é apresentado como um último presente de Marion para o arqueólogo antes de partir.
Em certo momento da trama, no entanto, essa exploração livre perde um pouco de seu charme, quando a quebra para o terceiro ato parece adicionar à urgência aos personagens e, após uma sequência linear explosiva envolvendo um navio encalhado no Himalaia e uma fuga apressada de uma Xangai em chamas, o jogo pisa no freio com força quando deveria estar acelerando em direção ao seu fim. Sim, ainda é escolha sua decidir o que e como fazer, mas a estrutura continua te incentivando a levar seu tempo divagando pelas várias histórias contadas pelo cenário.
O gameplay é ancorado pelo loop de capítulos lineares ambientados num cenário aberto que responde às ações de Indiana. No entanto, o Grande Círculo resiste ao impulso de abraçar as características de um immersive sim – pelo menos até certo ponto. Sim, o jogo te incentiva a procurar armas improvisadas, usar disfarces para enganar seus inimigos, além de contar com um dos reloadings de revólver mais lentos que eu já presenciei num jogo em primeira pessoa, mas todos esses elementos ou são incorporados com gracejos cômicos ou situações plenamente hilárias. É incrivelmente satisfatório dar porradas estupidamente espalhafatosas em nazistas enquanto outros soldados nazistas olham para outro lado e magicamente não percebem. A epifania que os designers da MachineGames alcançam é a de que se meter em enrascadas é simplesmente muito divertido.
Entre socos e pontapés, armas de fogo variadas e itens espalhados pelo cenário, sua principal ferramenta é o chicote icônico de Indy, que aqui serve não só para atravessar o ambiente, mas também é capaz de distrair inimigos, arrastá-los pelo chão e, de maneira geral, complicar o dia de um fascista. É um prazer imenso poder usá-lo para agarrar alguém e se aproximar para poder nocautear com três socos em sequência. Eu me pegava pressionando o seu botão puramente por sentir falta de ouvir o seu estalo, e se isso não é sinal de um bom design de som, eu não sei mais o que é.
O principal uso do realismo em Indiana Jones e o Grande Círculo está na captura de performances usada para dar vida a seus personagens e, consequentemente, aproximá-los de uma visão cinematográfica de sua narrativa. A cereja do bolo é sem dúvidas a interpretação jovial de Troy Baker na máscara de Harrison Ford. Ele reproduz com perfeição os trejeitos vocais de um Ford mais jovem, ao mesmo tempo em que preserva sua própria vocalidade. Com cada vez mais pressão para que vozes icônicas sejam reproduzidas através do uso de IAs generativas, a performance de Baker é um testamento por si só ao poder de dar à novos dubladores a oportunidade de traçar seus próprios caminhos por personagens já conhecidos.
Mas Indy raramente se aventura sozinho. Além de alguns rostos conhecidos, o elenco secundário aqui é inteiramente novo, encabeçado Gina Lombardi, interpretada por Alessandra Mastronardi, uma repórter italiana procurando por sua irmã desaparecida. Além de ser o coração emocional da trama, ela é um contraponto perfeito para Indy, principalmente quando este ainda está sentindo as mágoas do final de seu último relacionamento romântico. O espírito aventureiro de Gina pode até lembrar a Marion de Karen Allen, mas seu investimento na trama é tão mais intenso do que o de Indy que ela acaba sendo o fio condutor de nossa experiência através do Grande Círculo. Além dela, também vale destacar Narwal, interpretada por Necar Zadegan, uma arqueóloga egípcia espiando as escavações nazistas e Locus, interpretado pelo falecido Tony Todd, um homem gigantesco que fala em uma língua morta e estabelece desde cedo uma rixa com Indy que será difícil de deixar barato.
No lado dos vilões, seria realmente difícil pedir por algo melhor do que o sinistro Emmerich Voss, um arqueólogo nazista obcecado por jogos mentais e ancorado por um complexo de inferioridade que o torna tão perigoso quanto patético. Cada cena que conta com a performance do ator alemão Marios Gavrilis é um presente absoluto. Apesar de ser imensamente inteligente, ele ainda causa um tipo inteiramente peculiar de asco que apenas os seguidores do Reich são capazes de inspirar, além de saber exatamente o que fazer em qualquer situação para desestabilizar Indy e seus companheiros. Sem ele, o Grande Círculo não seria completo.
Apenas levemente debilitado por sua longa duração, Indiana Jones e o Grande Círculo é um dos melhores jogos de 2024, infelizmente lançado tarde demais para concorrer em várias das principais premiações, mas que certamente marcará presença no ano que vem. Redefinindo o jogo de aventura para a nova geração enquanto Drake e Croft não retornam para reconquistar o trono, o novo jogo da MachineGames é uma mistura ambiciosa entre narrativa cinematográfica e comédia pastelão, usando tão bem seu personagem principal como qualquer um dos filmes de Steven Spielberg e George Lucas.
Se a aventura tem um nome… ele deve ser Indiana Jones.
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