Os ingredientes estão dispostos na mesa, mas as etiquetas pregam peças no cozinheiro. Onde lê-se ‘sal’, se esconde o açúcar. Na lata do fermento, há apenas massa para bolo. E a água fervendo, na verdade, está batizada com vinagre. No final, o prato consegue chegar ao almoço, para o desagrado de todos com paladar para provar os gostos peculiares e texturas indigestas. A metáfora define Oz: Mágico e Poderoso, filme de 2013 que embrenhou Sam Raimi num purgatório criativo.
A origem do Mágico da Terra de Oz tem um cafajeste James Franco, que ludibria e engana seus colegas de circo no Kansas. No cinza quadrado que abriu o clássico de 1939, Raimi dirige este conto de fadas no limiar entre o digital e o analógico. Os cenários são práticos, embora se mesclem aos efeitos digitais – em alta na época de produção. Para tal, Oz caminha pelos limites do vale da estranheza, especialmente no que tange a interação entre carne, osso e magia.
No reino escondido, acessado apenas por meio de um tornado furioso, a fotografia resplandece o maravilhamento e a adulação do homem farsesco. Lá, também, as criaturas diversas estão em polvorosa reação à chegada do Mágico que dará cabo da Bruxa Má e fará de Oz um reino de prosperidade e paz. Baseando nos livros de L. Frank Baum, o roteiro de Mitchell Kapner e David Lindsay-Abaire tira seu tempo para homogeneizar Franco ao ambiente carnavalesco e um tanto borrachudo.
Na mimese das aventuras de Dorothy, as contrapartes fantásticas são o macaco Finley (Zach Braff), a boneca de porcelana (Joey King) e Glinda (Michelle Williams), companheiros-fiéis de Oscar. Não demora, porém, para que a ilusão caia por terra e tanto os heróis quanto as vilãs se munam do necessário para conquistar seus desejos mais profundos. Rachel Weisz é uma Evanora embriagada dos maneirismos culturais das bruxas, enquanto Mila Kunis desaparece na maquiagem de Theodora.
Se a interpretação de sua versão inocente e apaixonada era um dos méritos da direção de Raimi, quando os planos da irmã são revelados, e ela mordisca a maçã verde que a tinge do mesmo tom, o lado digital dos efeitos visuais engole suas expressões e singularidade. No lugar do retrato malévolo e fragilizado da Bruxa Má do Oeste, nasce um emaranhado de carrancas cartunescas.
Capitaneado pelo eterno frescor que O Mágico de Oz desperta no público, o filme de Sam Raimi mantém a essência amedrontadora do diretor, que escala Bruce Campbell em mais um exemplo da longeva e criativa parceria, assim como brinca de terror nos momentos mais oportunos. Exemplo disso é a entrada de Franco no país sagrado, quando seu balão é alvejado por estacas de madeira, e Raimi acopla a câmera no ponto de vista da morte, a alguns centímetros de concretizar-se profana.
O exacerbado uso do artificial funciona ocasionalmente, especialmente nos encontros mágicos da austeridade de Glinda com o lado sacana de Oz. A dualidade está em total controle da narrativa, que acaba rendendo monstros inventivos, ajudantes carismáticos e até uma ou outra referência ao filme com Judy Garland. Repare só no leão covarde, na linha de montagem dos espantalhos mais fofos do mundo e na Michelle Williams além do véu da ilusão, destinada a manter a linhagem viva.
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