Como qualquer ser humano preso na quarentena que precisava de um alívio mental, eu fui atrás de alguma fuga. Incentivada pelo meu ávido gosto pela leitura, me deparei com os famosos booktubers, booktoks e bookgrams que, além de ser uma válvula de escape em um turbilhão de sentimentos, foi uma forma de reconexão com uma paixão antiga.
Entre tantas pessoas que esbarrei, me identifiquei logo de cara com a Helena Sanches, que tem um jeito leve e divertido, bem gente como a gente, para contar suas experiências com livros. Infelizmente, não consegui encontrar o vídeo em específico em que ela cita que estava lendo The Love Hypothesis, cuja história ainda estava surgindo tímida lá na gringa. A história ficou cravada na minha cabeça e só consegui ter acesso quando fui na minha primeira Bienal do Livro de São Paulo, lá em 2022. Com o livro em mãos, nada podia me abalar.
O romance de Ali Hazelwood, lançado no Brasil pela Editora Arqueiro, se destaca como uma comédia romântica leve e envolvente. Além disso, é um reflexo dos desafios que as mulheres enfrentam em campos tradicionalmente dominados por homens, como a ciência. Com uma combinação de humor, química entre os personagens e representações autênticas do ambiente acadêmico, a autora cria um espaço para diálogos mais amplos sobre feminilidade, poder e as pressões sociais que permeiam tanto o mundo do romance quanto o da academia.
Olive Smith, a protagonista, personifica o clássico arquétipo da heroína confusa e vulnerável que se vê envolvida em uma relação fictícia com o infame professor Adam Carlsen. No entanto, o que poderia facilmente resvalar em um clichê é transformado pela narrativa cheia de nuances. Hazelwood habilmente desconstrói as expectativas de um romance fake dating ao explorar como essa relação vai além do simples jogo amoroso, tornando-se um espaço onde questões de autoestima, pertencimento e o papel da mulher na ciência são abordados com uma honestidade rara.
Assim, o livro, com tradução de Thaís Britto, convida à reflexão da incapacidade que assola mulheres em ambientes acadêmicos e profissionais. Tema também abordado por obras como Circe de Madeline Miller, que explora os sentimentos de inadequação e poder feminino de forma mitológica, e Eleanor Oliphant Está Muito Bem, de Gail Honeyman, em que o isolamento social e a luta interna da personagem são centrais. Em ambos os casos, vemos mulheres lutando contra expectativas externas e internas, enquanto buscam afirmar sua voz e encontrar um senso de pertencimento, tópicos também presentes na jornada de Olive.
A autora, sendo cientista, traz à narrativa uma autenticidade que é difícil de encontrar em romances contemporâneos que utilizam o ambiente acadêmico apenas como pano de fundo. Em A Hipótese do Amor, Hazelwood também tece diálogos sobre desigualdade de gênero no ambiente científico, algo que se sente de maneira sutil, mas poderosa, ao longo da narrativa. Isso se estende aos outros romances como A Razão do Amor e Amor, teoricamente.
Outro ponto importante na obra é a abordagem do assédio, algo que frequentemente passa despercebida nas histórias de romance. Durante a trama, Olive enfrenta um episódio vindo de uma figura de autoridade, o que expõe o uso de poder para manipulação e coerção, além do impacto emocional e psicológico que isso causa na vítima. De uma maneira sensível, a autora ilustra o quão comum e devastador o assédio pode ser para mulheres em carreiras acadêmicas. Hazelwood também destaca a importância da rede de apoio e da ação institucional para enfrentar tais situações. Adam, ao tomar uma posição firme ao lado de Olive, exemplifica um aliado comprometido com a justiça e a segurança do ambiente de trabalho. O livro, assim, não romantiza o assédio. Longe de ser tornar um clichê em que o príncipe encantado salva a princesa no final, a história promove uma discussão realista e necessária sobre o tema, reforçando a importância de se criar espaços acadêmicos seguros e inclusivos.
A conexão emocional entre Olive e Adam também transcende o comum, explorando as dificuldades de ser vulnerável em um ambiente em que tanto a racionalidade quanto a produtividade são sobrevalorizadas. Hazelwood entrega uma história cativante de amor e descoberta, além de uma crítica velada a essa necessidade constante de performar, tanto no romance quanto na ciência.
É óbvio que A Hipótese do Amor vende por sua essência literária: o fake dating. Derivada de uma fanfic de Star Wars, o sucesso do TikTok não deixa a desejar no romance. O que começa como um acordo forçado para “parecer comprometida” a fim de convencer uma amiga, logo se transforma em uma descoberta emocional para ambos os personagens, revelando camadas de suas personalidades e suas inseguranças mais profundas.
No início, Olive vê Adam como alguém inatingível: ele é um renomado professor, rígido e com uma reputação um tanto temida. Para ela, um relacionamento com ele é uma mera fachada, um meio para um fim. Adam, por sua vez, é reservado, preferindo a racionalidade e a lógica ao que considera “dramas” emocionais. É justamente essa frieza inicial que faz com que ele, aos poucos, abra espaço para uma relação em que ele também pode se permitir sentir e ser vulnerável. A maneira como a autora constrói essa tensão entre o profissionalismo dele e o lado apaixonado que vai surgindo aos poucos é convincente e cativante.
À medida que a história avança, vemos os dois protagonistas ultrapassarem suas zonas de conforto e enfrentarem seus próprios medos. Olive, por exemplo, lida com a síndrome do impostor e com o medo constante de ser uma “farsa” no ambiente acadêmico, e Adam, com o desafio de abrir mão de seu controle para ser mais transparente em suas emoções. No romance deles, Hazelwood faz uma crítica sutil ao próprio ambiente acadêmico, onde a vulnerabilidade é frequentemente vista como fraqueza, tanto nos relacionamentos profissionais quanto nos pessoais. A relação se torna, assim, uma válvula de escape e um espaço seguro para que ambos explorem quem são além dos papéis que assumem no mundo.
Um dos aspectos mais interessantes do romance é como ele contesta e reformula a ideia de que o amor “conserta” as pessoas. Em vez disso, a relação entre Olive e Adam é um processo de crescimento mútuo e de compreensão. Hazelwood usa momentos de humor e ternura para mostrar que o amor, neste caso, não é sobre completar o outro, mas sobre respeitar o espaço de crescimento pessoal que cada um precisa.
Esse tipo de relação, embora comum em romances contemporâneos, difere da fórmula tradicional de muitas histórias de amor ao estilo “salvamento”, onde um personagem “cura” o outro. Em vez disso, A Hipótese do Amor se alinha a romances como Leitura de Verão, de Emily Henry, em que o amor é visto como uma parceria genuína em que os personagens principais se ajudam a crescer, sem sacrificar quem são.
Seu sucesso também reflete uma mudança no gosto do público para histórias que misturam romance com temáticas mais amplas, abordando questões de identidade, carreira e vulnerabilidade emocional. No mesmo espírito de Vermelho, Branco e Sangue Azul, de Casey McQuiston, ou Os Sete Maridos de Evelyn Hugo, de Taylor Jenkins Reid, a obra de Hazelwood marca um ponto de inflexão em que o romance é o veículo para discussões maiores sobre gênero, poder e as complexidades das relações humanas.
Portanto, A Hipótese do Amor, apesar de sua carinha, não se trata de apenas uma comédia romântica divertida e envolvente. É uma obra que nos faz questionar o lugar das mulheres, não apenas no mundo do romance, mas no espaço acadêmico e profissional. Lembra-nos, também, de que o amor e a ciência não são incompatíveis, mas que ambos exigem vulnerabilidade, coragem e, acima de tudo, honestidade. Ah, e antes que eu me esqueça: Ik hou van jou, Adam.
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