A série derivada de O Senhor dos Anéis já começou perdendo. Com a exibição em paralelo à outra grande saga de fantasia da contemporaneidade, o despreparo dos showrunners de primeira viagem ficou evidente e, pior ainda, imperdoável. Dois anos se passaram, e o retorno à Terra-Média inverteu o cenário de origem: se A Casa do Dragão se embolou no morde-e-assopra, The Rings of Power mostrou a que veio.
O leve atraso na entrega do produto de qualidade é escanteado justamente pelos elementos dramáticos que moldam os oito episódios, originais do Amazon Prime Video. Na trama, Halbrand teve a identidade descoberta e, novamente em fuga, ilude um desencorajado Celebrimbor para que forjem, juntos, as joias que nomeiam a produção. São 3 anéis para os elfos, 7 para os anãos e 9 para os humanos.
Paralela à história no reino dos elfos e dos ferreiros, os criadores Patrick McKay e John D. Payne entregam o volante para um trio de diretoras talentosíssimas, que se revezam na cadeira e vez ou outra colaboraram em duplas. São elas Charlotte Brändström (deXógum), Louise Hooper (de Sandman) e Sanaa Hamri (de Gen V), que dão o tom épico em estado de calefação pelo andar da carruagem.
Galadriel (Morfydd Clark) perde um bocado de autonomia quando se apega aos potenciais do Anel que usa, assim como o Rei Durin III (Peter Mullan), o Anão que governa e assusta os rituais ancestrais do seu povo. O motivo é nobre e egoísta, como toda índole da mitologia de Tolkien faz parecer. Seguindo os caminhos da joia, o monarca nega a ajuda das mulheres que “ouvem” as montanhas e passa ele mesmo a definir onde devem cavar em busca do minério-base para a forja.
Seu filho, o Príncipe Durin (Owain Arthur), não arreda o pé e usa a influência da esposa, a sempre fantástica e formidável Disa (Sophia Nomvete), para que o reino não caia em tentação. O elfo Elrond (Robert Aramayo) desconfia do poder dos artefatos e tenta como ninguém destruí-los antes que o estrago seja feito. Claro, seus planos falham.
Falham, porque, na figura angelical de Annatar (Charlie Vickers), Sauron se disfarça de arauto benévolo e cega os ferreiros para o verdadeiro objetivo de sua missão. Ele mente, engana e distrai seus cativos, ao passo que a iminente batalha, acontecida no sétimo episódio, é obra de seu arsenal. Outrora o vilão clássico, o Uruk Adar (Sam Hazeldine) ensaia uma trégua com Galadriel mas logo comete traição e parte para o sangue.
Com os povos em frenesi de poder e medo do inevitável e do desconhecido, a temporada encontra espaço para guiar O Estranho (Daniel Weyman) em busca de seu cajado mágico, o que o leva às portas de Tom Bombadil (Rory Kinnear) e para longe da companhia de suas amigas Pés-Peludos, Poppy (Megan Richards) e Nori (Markella Kavenagh). As pequenas acabam caindo na trilha de outra espécie, no que parece dar ligação ao futuro do universo mágico.
No reino humano de Númenor, a Rainha Míriel (Cynthia Addai-Robinson) perde a visão, o trono e a proximidade de seu amado, o Capitão Elendill (Lloyd Owen). Na guerra civil à là Targaryen que protagoniza com o primo, a monarca destituída precisa se conectar ao mais bruto aspecto da natureza para então ter sua herança devolvida e sua fé reconquistada. São várias as peças da enorme e polissêmica engrenagem de Anéis do Poder, que funciona às mil maravilhas pelo comando certeiro.
Batalhas, traições, visões do céu e prenúncios do inferno são comuns na vida dos personagens, que na segunda temporada encontram o ritmo necessário e sabem como desempenhar suas funções, tanto dentro da tela, em suas jornadas pessoais, quanto fora delas, alicerçados pelo roteiro e pela direção. Dos aspectos técnicos, nem vale a pena comentar, já que departamento de arte, fotografia, som, efeitos e montagem continuam operando no mais alto e fino calibre.
Abraçando, ainda, as diversas figuras que Tolkien escreveu nos romances e nos Apêndices, de árvores à águias e trolls, a série arremessa ao céu os dados do destino e, de olhos cerrados, observa os números sorteados: morte, destruição e uma pitada de luz, ingrediente que guiará os Elfos na terceira temporada. As canções são entoadas com clamor e glória, na fábula esotérica de uma população em guerra contra o próprio tempo, destinada a repetir os padrões de descrença.
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