“O papel de Claudia será interpretado por Delainey Hayles”, anuncia o letreiro em letras vermelhas que abre a segunda temporada de Entrevista Com o Vampiro. O toque teatral acerta em cheio o clima dos novos capítulos, detalhando a vida dos protagonistas na França pós-Guerra, inebriada pelas artes e pela ideia de prosperar.
Louis de Pointe du Lac (Jacob Anderson) quer deixar o passado, e o ex-marido, mofando no fundo do armário e se une ao ímpeto aventureiro e sempre sedento de Claudia (Hayles), para buscar semelhantes. A filha eterna de Louis e Lestat de Lioncourt (Sam Reid) pode até ter corpo e cara de adoelscente, mas a pessoa que vive abaixo da carcaça já está no limite da paciência.
Isolada e solitária, é ela quem se encanta pelo magnético e grandioso Théâtre des Vampires, companhia artística formada pelos mesmos monstros que a nomeia. Há a inevitável curiosidade, que ganha contornos de obsessão quando Louis conhece Armand (Assad Zaman), lendário vampiro e líder do clã parisiense, e Claudia repousa os olhos em Santiago (Ben Daniels), o mestre de cerimônias e estrela das peças.
A adaptação do romance de Anne Rice, publicado em 1976 e transformado em filme no ano de 1994, segue banhando as inspirações nas páginas, mas não limitando-se a elas. Criada por Rolin Jones, a série elenca uma porção de temas sobrenaturais para minar uma história de amor e perda. No tempo presente, e preso a um apartamento sofisticado em Dubai, o jornalista Daniel Molloy (Eric Bogosian) está farto das mentiras.
Do outro lado do entrevistador, um confuso e diletante Louis rememora os eventos franceses, com base principalmente nos diários que Claudia, contra as leis da espécie, escreveu. Junto dele, Armand manipula e confunde, com respostas dúbias e a lembrança latente que, na entrevista original, Daniel sofreu mais do que se lembra.
O quinto episódio, Don’t Be Afraid, Just Start the Tape, volta no tempo e encena com exatidão tudo que houve na noite regada a drogas, charme e culpa, dividida por Daniel e Louis, quando o segundo não passava de um jovem profissional, mais interessado nas carreiras de pó do que nas frases do efeito de seu objeto de estudo. No auge de um ciúme que nasce na forma de Lestat e logo transmuta-se à sombra do humano, Armand se espreme em sua mente, plantando ali falsas verdades.
A temporada 2 é chique no último, exalando a elegância e a brutalidade que apenas uma criação de Anne Rice poderia conter. E falar sobre o aspecto queerde Interview with the Vampire como sinônimo dessa magistral dedicação e abordagem seria chover no molhado. Afinal, toda ótima história de vampiro tem dentro dela um forte senso de homossexualidade e homoerotismo. Enquanto Tom Cruise e Brad Pitt desviaram do projétil, Anderson, Zaman e Reid estufam o peito e se lambuzam nele.
Lestat está quase que completamente invisível ao longo dos oito episódios, habitando a mente fragmentada de Louis tanto em Paris quanto em Dubai, mas qualquer vislumbre de Reid, no alto de seus ternos rijos e cabelos avolumados, engrandece e hipnotiza as cenas. Até nas trocas com Armand, quando o ancestral revela o laço criado à época da formação do Teatro, Lestat esbanja o borogodó que conquistou Louis e qualquer um assistindo à tela da TV.
Com fortes influências autobiográficas para a autora, o livro foi escrito após uma tragédia. Vítima de leucemia aos 5 anos, a filha de Rice despertou nela um fascínio e temor pelo sangue. Da dor, surgiu Claudia. E o marido, esbelto e alvo de olhares e de comentários, foi a planta para o desenho de Lestat. Restou a Anne aceitar o papel de Louis, a vítima que se envolve demais e acaba tanto ferida quanto golpeando. Morta em 2021, a americana participou do processo de pré-produção do seriado e ganha créditos de co-criador e produtora executiva.
A mudança de elenco, parte tão comentada antes da estreia, provou-se um feliz infortúnio, já que os dotes de Delainey para Claudia dão a personagem uma nova roupagem, e também servem como chamariz de duas atrizes interpretando o mesmo texto com truques e manobras distintas. Bailey Bass não voltou ao papel pelo compromisso firmado nas gravações de Avatar.
Ao lado de Madeleine (Roxane Duran), a vampira-criança incorpora o arco mais destruidor do ano, sendo eternizada pela negligência e solidão. Sentimento oposto do que Louis implorou para Lestat quando esse, a contragosto, transformou a vítima do incêndio na filha perfeita do casal. A cena em que Anderson ajoelha e se desfaz, como num ritual frutífero de nascimento, e Reid engole todo o ressentimento e o temor, está no panteão e no limite do romântico e do profano. A linha tênue pela qual Entrevista Com o Vampiro adora caminhar, de olhos cerrados e coração pulsando.
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