Na pequena Ennis, localizada no estado do Alasca, o calendário importa apenas uma vez ao ano: nas semanas finais de dezembro, quando o sol nasce e se põe a dormir, e a escuridão toma conta da cidade até o início do novo ano. É justamente ao longo dessa dúzia de dias que True Detective retorna à grade da HBO.
A quarta temporada, que recebe o subtítulo Night Country (ou Terra Noturna), chega sob nova chefia. Issa López (Os Tigres Não Têm Medo) assume o comando da empreitada, assinando boa parte dos roteiros e a totalidade da direção, em uma história particular sobre crise ambiental, população nativa americana e o frio do fim do mundo.
Não surpreende, portanto, a escalação de uma primorosa Jodie Foster, já acostumada ao trabalho de investigar crimes insolucionáveis, na pele da detetive Liz Danvers, uma mulher de amargura e carisma disparados. Casca-grossa, bocuda e focada nos objetivos que cria para si mesma, a interpretação de Foster demonstra na pele uma atriz no pleno domínio de suas capacidades, em companhia de uma novata igualmente resplandecente.
Kali Reis, que divide o trabalho nas artes com sua carreira no boxe, é Evangeline Navarro, o elo sentimental da meia-dúzia de capítulos. É ela quem conecta as raízes indígenas da cidade com o escopo maior do mistério, além de prover sequências de ação e brutalidade que fazem frente à toda violência que congela junto dos habitantes.
A história começa de forma abrupta: oito cientistas somem, da noite para a noite, em uma isolada estação de pesquisa no Alasca. O local permanece intocado, a TV exibe em looping uma cena ao som de Beatles e só uma língua decepada denuncia os ares criminais do evento. Danvers, a chefe da polícia, é chamada. Navarro, rebaixada ao posto de soldado da tropa, também persegue o rastro, que parece ligado a um crime nunca solucionado.
Uma mulher, ativista dos direitos indígenas e em protesto à mineradora que polui a água da população, foi morta de maneira pouco esclarecedora e inteiramente suspeita. A falta de provas fechou a investigação, mas Navarro carrega a súplica de Annie K (Nivi Pedersen) desde o descobrimento do corpo, em uma área abandonada da cidade.
Igualmente traumatizada pelo passado é Danvers, uma mulher solitária e que vê na filha, Leah (Isabella LaBlanc) mais uma obrigação do que alguém que merece proteção. “Cuidado, ela costuma não tratar bem quem ama”, prenuncia a garota para um incansável Prior (Finn Bennett), policial novato que renegou a influência do pai para seguir os mandamentos de Liz.
Assim, Issa López mistura o sobrenatural e o místico do ambiente com a feiura e a gana das corporações, criando uma versão remodelada de True Detective. Mantêm-se a sede de justiça e as coincidências macabras da estreia de 2014, mas adiciona-se à receita uma presença assombrosa de como a realidade não está tão longe assim da ficção.
Casos de envenenamento por poluentes são cada vez mais comuns nos noticiários, e a decisão de mostrar uma comunidade indígena, afetada não só por questões ambientais, mas também por fantasmas e resquícios psicológicos, apenas alastra o alcance de Night Country, uma produção interessada nas minúcias da violência e em como parcelas subjugadas da população se tornam alvos fáceis para os vilões da vez.
Tamanha a predileção pelo pesadelo, que a abertura empresta o sussurro soturno de Billie Eilish em bury a friend, questionando o véu da realidade e indagando, como eco de uma pergunta sem solução, quando nós dormimos, para onde vamos? Issa López não crava sua previsão, nem ministra uma resposta universal e metafísica. Pelo contrário, ela abraça a mágica do mistério e, na jornada, revitaliza a vida de mulheres à mercê de terceiros. Em Night Country, True Detective aceita o gelo nos ossos, e o faz o melhor para conviver com as dúvidas.
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