4ª temporada de The Boys opta pelo desinteresse

Penúltima investida contra Homelander começa a ficar boa perto do adeus provisório

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Em 2019, ano em que Eric Kripke deu vazão aos episódios iniciais de The Boys, o ambiente político do mundo era recheado de patetas e malucos. E se seu Capitão Pátria era cuspido da figura de Donald Trump, o tempo que separa a primeira da quarta temporada denota que o tom farsesco da série passou de cômico, para terrivelmente próximo da realidade e, então, satírico novamente. 

É o caso, em medidas de comparação, do ocorrido com The Handmaid’s Tale, outra produção geminada na e pela era Trump, que passou por percalços narrativos tão hediondos quanto os veiculados diariamente na TV, e depois voltou a um estado dormente de piada que passou do tempo. Perdeu o timing. The Boys entrega uma quarta temporada sedenta pelo choque, e incrivelmente disposta a esticar o chiclete que masca à exaustão.

Entre paródias de Mrs. Maisel e até uma capa de Pátria na Revista Time, a equipe criativa de The Boys continua a todo vapor (Foto: Prime Video)

O mote não muda: o time de “bonzinhos” caça os Supers que podem, na esperança de acabar com o reinado de terror de Pátria, que desta vez deixa Antony Starr um tanto deslocado do alcançado antes. Se seu retrato do Homelander se beneficiava da sutileza e dos contrastes entre o líder dos Sete em público e no privado, sua atuação foi tão estilizada e estudada que, agora, as expressões de ódio, escárnio e deboche caem no campo da repetição.

Um vilão tão complexo e complexado quanto o Capitão Pátria funciona melhor nas entrelinhas e nos detalhes, como na brilhante cena do espelho na temporada anterior. Responsável, aliás, pelos clamores do povo: indiquem esse homem ao Emmy! Não funcionou, e os roteiristas se encaminham para uma saturação angustiante do talento de Starr. Desta vez, pelo menos, ele ganha duas adições ao panteão de heroínas da equipe.

Combinando elementos do final de Gen V, a quarta temporada coloca protagonismo na misteriosa Victoria Neuman, interpretada pela hábil Claudia Doumit (Foto: Prime Video)

Sábia (Susan Heyward), a pessoa mais inteligente do mundo, e Espoleta (Valorie Curry), caipira extremista que ganhou fama num podcast de conspirações inúteis e usou a entrada no time como trampolim para suas ideias de minhoca. A primeira inspira o chefe a pensar melhor e mapear as possibilidades, que envolvem, claro, um golpe de Estado. A segunda, que a priori parece mais fantoche do que humana, sacia os instintos mais primitivos de Pátria.

O fenômeno da season 4 ficou à cargo dos espectadores, que condenaram o tom “político” da produção, e se declararam fartos da cultura “esquerdista” que rondou os episódios inéditos. Do romance de Frenchie (Tomer Capone) com outro homem, até os discursos espalhafatosos e ridículos de Espoleta, não faltaram críticas ou comentários desonestos. A graça, por sua vez, está na percepção da audiência chula que denuncia a falta de senso e de percepção.

Ryan, o filho super poderoso de Homelander, é feito de peteca pelos lados opostos do conflito (Foto: Prime Video)

Para a série que usou uma nazista como porta-voz do racismo reverso, e depois colocou nas costas de um soldado extremista toda a trama que envolvia abuso e trauma geracional, The Boys não mudou o tom nem argumentou novidades. Reflexo de uma parcela de espectadores tão absortos na própria realidade fabricada e que, quando confrontado e guiado por massas, decide se vingar do que sempre clamou para si. 

A impressão mais forte está no clima de cansaço que Kripke intencionalmente causa na série. O passado não o redimia dos problemas que causou em Supernatural, mas a notícia de que The Boys acaba no ano 5 ao menos abre o tempo nos quartéis-generais do Prime Video. Se as temporadas iniciais eram deliciosas na bobeira e no choque firmado na contradição com o real e palpável, o ponto atual joga tudo no inusitado e, no caminho, a cadeia de perversões e escatologias acaba desaguando em piadas fáceis e esperadas.

Hughie (Jack Quaid) e MM (Laz Alonso) fazem hora extra. Luz Estrela (Erin Moriarty) é vítima do próprio texto, que tira dela todo poder e controle. Kimiko (Karen Fukuhara) corre em círculos, Profundo (Chace Crawford) ganha certo destaque no romance com a polvo dublada por Tilda Swinton, e Trem-Bala (Jessie T. Usher) ensaia uma redenção. Nem a adição de Jeffrey Dean Morgan aumenta o perigo, já que suas cenas com Billy Bruto (Karl Urban) tornam-se repetitivas logo de imediato.

A finale da temporada teria o título Assassination Run, o que foi mudado após a tentativa de assassinato contra Donald Trump (Foto: Prime Video)

Na temporada, sobra tempo de tela para a escatologia, de uma sessão-tortura de fetiches até uma paródia do Homem-Aranha que ganha injeções anais para satisfazer o vício em drogas; uma heroína focada em lactar sem ao menos estar grávida; e até um Super tão cheio de si que duplica-se a fim de protagonizar uma orgia sozinho. 

Os movimentos cíclicos lembram a dinâmica de Tom e Jerry: eles se batem, se juram de morte, se enfrentam, se recuperam e voltam ao estado inicial. Jogue na mistura uma porção de ovelhas carnívoras, algumas pernas decepadas e Will Ferrell num Oscar-bait racial: está pronta a quarta temporada de The Boys.

O Universo Compartilhado da Vought, apresentado numa convenção repleta de nerds extremistas, é mais uma das sagazes piadas de The Boys (Foto: Prime Video)

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