Toda sexta é 13: Abraço de Mãe

Tentáculos, casarões decrépitos e fetos cósmicos

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Deslizamentos, carros arrastados e milhares de desabrigados. Foi esse o cenário do Rio de Janeiro em 1996, quando a cidade ficou debaixo d’água após ser atingida por mais uma tempestade de grandes proporções que afetou profundamente a população carioca. É nesse ano também que a bombeira Ana, vivida por Marjorie Estiano, perde a mãe, surta durante uma ocorrência e fica afastada da corporação por dois meses, renegada ao setor administrativo e ansiosa para voltar ao socorro. Quando finalmente recebe a permissão que almejava, Ana veste o uniforme e se prepara para passar pelo mais bizarro atendimento de sua carreira, porque adivinhe! Estamos em um filme de terror.

Abraço de Mãe, recém-lançado pela Netflix, é dirigido pelo argentino Cristian Ponce, do maravilhoso História do Oculto, e fez sua estreia no Festival do Rio deste ano. Mesclando traumas familiares e seitas misteriosas, o longa é inicialmente sutil ao dar pistas ao público dos horrores da narrativa. Enquanto os tentáculos que rastejam nos cantos da tela preparam uma atmosfera lovecraftiana, a cena de abertura nas entranhas de uma boneca atômica, dominada pela performance da atriz Chandelly Braz, dita o tom cósmico que o filme assume.

No entanto, é quando Ana e sua equipe são chamados para socorrer um asilo que supostamente desabou com o temporal que as engrenagens do roteiro escrito por Ponce, André Pereira e Gabriela Capello começam a funcionar. O casarão antigo que os recebe e a hostilidade de seus moradores erguem grandes sinais de alerta, e assistimos Ana ficar cada vez mais isolada nos corredores escuros e sem fim do asilo.

O diretor, inclusive, contou que essa sensação sufocante, sem escapatória, que ele imprime em Abraço de Mãe foi inspirada diretamente nas obras do cineasta John Carpenter. Não à toa, é muito fácil perceber a desconfiança e a insanidade crescendo no olhar de Ana, no melhor estilo O Enigma de Outro Mundo. Muito disso, claro, vem da performance brutal de Marjorie Estiano. A atriz dispensa apresentações, mas suas investidas no terror, muito ligadas à maternidade, deixam claro a potência que carrega consigo, sempre disposta a abraçar o grotesco que o gênero pede e entregá-lo com naturalidade e confiança.

Com Ana não é diferente. Estiano veste as feridas de uma personagem fragilizada pelo passado, assombrada por seus traumas e em conflito com sua realidade. Ana vê as próprias rachaduras nas paredes da mansão que a aprisiona e enquanto desbrava os cômodos em busca de respostas, também aprende a lidar com o seu interior despedaçado. Por isso, quando a história se desenrola e descobrimos com o que estamos lidando, é a necessidade da personagem em confrontar, seja o grande horror do asilo, seja a si mesma, que a impulsiona porta afora; porque a única forma de sair é atravessar. 

Esteticamente revigorante, Abraço de Mãe é uma belíssima adição ao subgênero e garante uma experiência imersiva no absurdo e no sombrio, explorando o talento de sua protagonista até a última gota de sangue, de suor e de líquido amniótico.

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