Na voz de Olivia Cooke, “é para os pervertidos.” E, até certo ponto, ela não está enganada. Dirigido e estrelado por Robin Wright, The Girlfriend é, na idade do streaming, um drama sexualmente ousado sobre o triângulo amoroso entre uma mãe superprotetora, seu filho estudioso e mimado e uma jovem ambiciosa. Enquadrado em apenas seis episódios, a produção inglesa, adaptada do romance homônimo de Michelle Frances, não se apresenta imediatamente como uma minissérie, mas também não abre espaço amplo para a possibilidade de uma segunda temporada, nos acertando modestamente para um clímax prematuro, mas não sem êxtase.
Dividido entre as perspectivas de Laura (Wright), uma socialite obcecada no relacionamento com seu filho, Daniel (Laurie Davidson), e Cherry (Cooke), uma corretora de imóveis que busca subir na vida por quaisquer meios necessários, The Girlfriend traz à tona a hipótese de que, entre verdades e mentiras, há uma terceira e mais misteriosa coisa, sem nome definitivo. Nos primeiros capítulos, essa dinâmica entre as diferentes versões da história apresenta uma química envolvente entre as personagens principais, mas que vai perdendo fôlego conforme as narrativas avançam.

Para aqueles não familiarizados com seu trabalho em A Casa do Dragão (ou em O Som do Silêncio, ou em Jogador Nº 1, ou em Bates Motel…), Olivia Cooke é certamente a revelação de The Girlfriend, interpretando Cherry com a mesma nuance oferecida à seus papéis do passado, mas permitindo que ela tenha o ardil maquiavélico que Alicent Hightower nunca sonhou em ter. E isso não quer dizer que ela é a vilã consumada da trama, que se compromete à oferecer oportunidades para simpatizarmos com a personagem através de suas motivações inteiramente válidas.
Cooke, que trabalha na indústria desde os 17 anos, usa seu rosto e seu corpo com a precisão de uma arma letal, trabalhando os múltiplos detalhes e ambivalências de Cherry ao mesmo tempo em que revela sua perspectiva extremamente relativa dos eventos. Mais do que oferecer ângulos e alterar sentidos, a forma que Wright dá aos primeiros episódios da série oferece mudanças cavalares entre cenas, se assemelhando mais à um depoimento de memória do que uma narrativa que ocorre no presente. Neles, a personagem titular alterna entre apenas uma mulher injustiçada por sua própria ambição e uma sociopata sem escrúpulos.
Não é uma dualidade fácil de manter, mas Olivia Cooke é um canivete suíço no papel, usando todas as ferramentas à disposição para criar a personagem que é a força motriz dos eventos que ocorrem. Mesmo quando a série muda para a perspectiva de Laura, sua ausência é sentida como um espaço físico entre ela e seu filho, um espectro à espera de ser preenchido pela atriz.

Robin Wright, que estrelou a direção durante sua passagem por House of Cards, é extremamente generosa com a personagem que interpreta, dirigindo os primeiros três episódios e dando o tom geral da produção, que se beneficia das sensibilidades da americana para criar uma tensão potente entre as diferentes versões dos eventos. Laura é definida não apenas por seu relacionamento obsessivo com Daniel e distante com seu marido, Howard (Waleed Zuaiter), mas consigo mesma e a filha que perdeu ainda jovem. Em um segundo episódio central, ela explora com a nova namorada do filho a possibilidade de ser uma substituta para essa perda, numa das várias viradas quase incestuosas da narrativa.
Sozinhas, ambas as atrizes oferecem performances exemplares, mas juntas, ficam elétricas. A fricção entre as duas, que muitas vezes assume um tom homoerótico (quando Laura oferece timidamente um segredo sobre sua sexualidade, o subtexto entre as duas é inegavelmente alterado), é uma altercação psíquica entre a dominância sobre Daniel, invadindo tanto o campo emocional quanto o sexual, expressada em cenas tão eróticas quanto cômicas, inteiramente dependentes das atrizes para funcionarem. Sempre que se encontram, a série recupera seu fôlego e começa a correr de novo.

Mas, apesar de várias cenas sugestivas, o caráter mais subversivo da série está no tratamento dado à disparidade social e econômica entre as duas mulheres e como isso afeta cada uma das perspectivas. Em The Girlfriend, o amor de Daniel se torna um bem de consumo não durável, disputado pelas personagens como tal. Laura, uma dona de galeria casada com um ricaço gentil, é capaz de fazer barbaridades com o poder que maneja, enquanto Cherry se arrisca à manipular sutilmente as intenções do namorado com um orçamento bastante limitado.
Esse não é o tema mais simples de se assimilar num thriller erótico – via de regra não é muito sexy discutir sobre dinheiro – mas The Girlfriend faz paz com suas ambições e torna a diferença entre os arsenais em um ponto crucial da narrativa que alavanca a série acima de sua concorrência no gênero. No entanto, na reta final, essa abordagem perde um pouco de ritmo, tentando construir uma ambiguidade entre as narrativas que não combina com o que foi estabelecido até o momento.

O que há entre verdades e mentiras? Bem, consequências. Vemos as versões de Laura e Cherry dos eventos e, apesar de ambas serem válidas em seus próprios termos, não há como negar que as consequências para uma delas são muito maiores do que para a outra. Cherry joga um jogo elaborado para fazer ela perder desde o início e suas chances são nulas caso ela jogue limpo. Há como argumentar que sua propensão à mentiras sempre volta para mordê-la, mas é difícil imaginar um cenário em que a maior parte dessas mentiras não são necessárias para que ela seja aceita no ambiente que a família Sanderson habita. E, se as recompensas são maiores para ela, os riscos também são.
The Girlfriend começa já com a cena final, dando um indício de que a Guerra Fria entre mãe e namorada vai eclodir em pelo menos um acontecimento fatídico. Inicialmente, assistimos a série com a ânsia de ver no que dará esse embate, mas em algum momento fica claro que a conclusão óbvia não é o ponto final de sua história, mas sim o que impulsiona suas personagens à agir como deveriam. Ambas sabem que não podem perder o jogo e, mesmo assim, só pode haver uma.
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