Paris Paloma é a própria catarse feminina em Cacophony

Com uma narrativa inspirada em mitologias, o álbum ecoa as complexidades do papel da mulher na sociedade

min de leitura

Paris Paloma é uma artista emergente do Reino Unido, ainda que seu nome seja pouquíssimo conhecido no meio musical. Ela conseguiu notoriedade em 2023, especificamente no TikTok, com seu single labour, que critica os papéis que as mulheres são obrigadas a assumir para satisfazer seus parceiros. Seguindo nessa mesma linha de raciocínio, Paloma lança Cacophony em agosto de 2024, a fim de explorar faixas ainda mais comoventes e, de certo modo, agressivas. 

O álbum mistura elementos de folk, indie e dark pop, criando uma sonoridade atmosférica e envolvente. Suas composições são marcadas por arranjos minimalistas que dão espaço às letras, que são o verdadeiro foco de sua Música. A produção usa tons melancólicos e por vezes sombrios, refletindo as emoções profundas abordadas nas letras, criando um espaço sonoro que intensifica a conexão emocional do ouvinte​ sobre diversas questões como poder, amor e luto. 

“Se eu fosse fácil de matar, você já teria feito isso” (Foto: Phoebe Fox)

Paloma segue uma tradição de cantoras que utilizam suas músicas como plataformas de denúncia e reflexões sobre as experiências femininas. A comparação mais evidente seria com Florence Welch, de Florence + The Machine, especialmente por sua capacidade de contar histórias míticas e abordar questões de poder e vulnerabilidade feminina. Assim como Florence, ela entrelaça imagens literárias com emoções cruas, criando um espaço onde a dor e a força coexistem. 

Outro artista que também é inspiração para Paloma é Hozier. Filhas de um relacionamento abusivo, Cherry Wine e last woman on earth abordam temas intensos com um viés poético e emocionalmente carregado. Segundo a própria cantora, sua música envolve a ideia de um apocalipse, uma parte obscura da luta pela sua saúde mental danificada pelo patriarcado. A faixa lida com a vulnerabilidade de forma barulhenta e, ao mesmo tempo, serena, expondo a exploração e sexualização incessante que as mulheres enfrentam ao longo de suas vidas.

O tópico do amor-próprio também compõem Cacophony. As duas obras-primas do álbum ficam para ​as good as reason e ​boys, bugs and men. Essas foram, certamente, escritas para mulheres taxadas como fora do padrão masculino e que, agora, vivem acompanhadas da insegurança e da falta de confiança. 

as good as reason fala sobre encontrar força interna em meio a circunstâncias difíceis. Em busca da  força e resiliência da sua personagem, Paloma explora a ideia da sororidade. Nesse caso, eu-lírico busca a mesma autoconfiança da mulher com lábios tão vermelhos, a qual lhe traz um ensinamento extremamente simples e eficaz: Toda vez que você está tendo sucesso/Há um homem velho em algum lugar, fervendo de raiva/E o ódio é uma boa razão para tomar o poder dele. Por isso, essa faixa tem uma atmosfera mais otimista em comparação com as outras, e pode ser vista como um ponto de virada emocional, onde a personagem encontra propósito em meio às dificuldades.

boys, bugs and men é mais confrontadora e traz uma crítica implícita ao comportamento masculino. Paloma usa uma narrativa repleta de metáforas para falar sobre as experiências de poder e vulnerabilidade em contextos sociais e relacionamentos. A faixa trata das dinâmicas de gênero e da forma como as mulheres são afetadas por padrões patriarcais. Os “bugs” (insetos) simbolizam a persistência e incômodos de certas atitudes masculinas, enquanto “boys” e “men” representam diferentes estágios de maturidade emocional deles. Por seu tom mais ácido, apresenta uma abordagem lírica irônica e crítica, sendo uma das mais fortes em termos de mensagem política dentro do álbum.

Assim como todo trabalho artístico, a menção honrosa vai para triassic love song, a qual explora a dualidade entre a força da natureza e o amor humano. O título faz referência ao período Triássico, uma era geológica marcada por grandes mudanças, o que pode sugerir uma metáfora para a evolução das relações e a passagem do tempo.

Musicalmente, a canção se destaca por suas texturas atmosféricas, que criam uma sensação de imersão no tempo profundo, como se estivesse contando uma história antiga sobre o amor e suas mudanças ao longo de eras. As letras abordam a fragilidade e a permanência do amor, contrastando-o com forças maiores, como a própria natureza ou o tempo geológico.

Há um paradoxo dentro da música também. Transmite-se a ideia de que o eu-lírico, extremamente imerso em um ecossistema romântico, não enxergasse o fechamento das portas da liberdade, privando-o de sair para o mundo real. O uso de “toca” para designar o relacionamento se associa com o fato do parceiro ser o único refúgio: Mas não deixamos ninguém de vigia/Com nossa guarda baixa/Que lugar lindo de esconderijo/Que você fez. No entanto, ainda que a toxicidade da relação seja sentida pela intérprete, ela deixa passar despercebido. Ainda que envolvida em um turbilhão de sentimentos, sua voz finaliza calma e serena, como um último suspiro. Isso é tudo que eu quero, querido.

 “Eu sei que você é um homem inteligente e usa a falsa incompetência como arma. É uma dominação disfarçada.” (Foto: Nettwerk Music Group)

Paris Paloma também bebe água da mesma fonte de Phoebe Bridgers. Ambas utilizam uma produção minimalista que dá destaque às letras. A sonoridade melancólica de suas músicas é caracterizada por arranjos simples, com guitarras suaves e sintetizadores discretos, criando uma atmosfera que reflete a vulnerabilidade de seus temas. 

Elas abordam experiências pessoais com uma profundidade que permite que o ouvinte se identifique com seus sentimentos, muitas vezes ligando o particular ao coletivo. Bridgers frequentemente explora temas de depressão e perda em suas músicas, como em Garden Song, onde a introspecção profunda é o foco principal. Paloma, por outro lado, tece temas de feminilidade, poder e resistência ao longo de Cacophony, com uma perspectiva igualmente rica em simbolismo e ressonância emocional.

“Querida luz da lua, você já quis gritar quando o Sol corre antes de você vê-la?” (Foto: Nicole Nodland)

Cacophony vai além de um simples álbum musical, funcionando quase como uma declaração artística sobre o estado atual das dinâmicas de gênero e o papel da mulher. Paloma, através de sua música, oferece uma catarse para seus ouvintes e, ao mesmo tempo, abre espaço para que cada um traga sua própria vivência para a narrativa. O disco é um sucesso tanto liricamente quanto musicalmente, destacando Paris Paloma como uma das vozes mais promissoras do indie atual.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *