O Ghibli Fest celebra oficialmente os fantásticos 40 anos do estúdio com a exibição de 22 longas, que recordam como seu legado sobrepõe as dinâmicas e tendências cíclicas do pop. Em um cenário de consumo cultural acelerado, onde a longevidade estética frequentemente é confundida com popularidade efêmera, podemos bater o martelo quanto a excelência visual do Studio Ghibli e sua inseparável profundidade discursiva. Justamente por isso, rever — ou, para os mais sortudos, ver pela primeira vez — essas obras na tela grande é um evento quase mandatório — algo que telas de notebooks e celulares simplesmente não conseguem replicar.
Em sua composição, além de belo, estonteante e impecável, podemos associar seus visuais quase indescritíveis com o Design Bioinspirado, termo provavelmente desenvolvido após as técnicas empregadas no estúdio. Basicamente, suas construções partem de formas orgânicas e estabelecem uma relação de equilíbrio que funde toda técnica com a construção sociopolítica que sustenta a relevância de sua filmografia. Essa complexidade, que tece a narrativa na própria imagem, ganha contornos na sala do cinema e nos imergem em som e vídeo espetaculares.

Visualmente, o estúdio opera em outra liga. Desde a inclusão de Nausicaä do Vale do Vento (1984), antes mesmo da fundação do Studio Ghibli propriamente dito, já estava seu DNA em dupla hélice de consciência ecológica e críticas contundentes ao militarismo. Seja na crítica à urbanização de Pom Poko (1994), no pacifismo de O Castelo Animado (2004), nas dores do amadurecimento de A Viagem de Chihiro (2001), na independência em O Serviço de Entregas da Kiki (1989), no declarado antifascismo de Porco Rosso (1992) ou na agridoce nostalgia de Ocean Waves (1993).
Essa integridade artística também precisou ser defendida com unhas, dentes e aço. Uma das anedotas que não são mas deveriam ser mais conhecidas foi a negociação com Harvey Weinstein, hoje condenado por crimes sexuais, que planejava cortar trechos de Princesa Mononoke para o público ocidental. Em resposta, o produtor Toshio Suzuki enviou uma katana para o escritório da Miramax com o recado “sem cortes”. A mensagem foi, felizmente, compreendida.

O reconhecimento não tardou a vir. A Viagem de Chihiro (2002) levou o Oscar de Melhor Animação, furando a bolha de Hollywood; com a própria Academia se rendendo em 2014 ao conceder a Miyazaki um Oscar Honorário, consolidando seu status no Cinema mundial. Mais recentemente, O Menino e a Garça (2024) também levou a estatueta. Hoje, a relevância do estúdio se manifesta na linha de frente de novos debates. A declaração de Miyazaki de que a animação gerada por Inteligência Artificial é um insulto à própria vida reforça a filosofia do estúdio de que a arte nasce do esforço e da compreensão da dor humana, nada em seus filmes é por acaso.
Com a primeira fase do festival concluída, a retrospectiva se prepara para seu fechamento no primeiro semestre de 2026. Esta segunda parte virá com a complexa relação entre natureza e humanidade em Princesa Mononoke (1997), O Conto da Princesa Kaguya (2013) — de Takahata —, o épico O Castelo no Céu (1986), passando por dramas intimistas como As Memórias de Marnie (2014) e Da Colina Kokuriko (2011), até a arte sublime de O Conto da Princesa Kaguya (2013) e outras obras que completam o acervo como a fábula leve de O Reino dos Gatos (2002), a delicada perspectiva de O Mundo dos Pequeninos (2010) e a fantasia sombria de Contos de Terramar (2006). Continuando a celebrar um cinema que construiu um legado baseado em integridade e consistência.
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