Se o amor é uma droga viciante, os esteroides também são. Adicione suor, músculos, sexo e violência à fórmula, e o barato dura exatos 104 minutos. O resultado é Love Lies Bleeding. Em seu segundo longa-metragem (depois de Saint Maud), Rose Glass comanda a reação química entre Kristen Stewart e Katy O’Brian, valentonas prontas para arregaçar as mangas, erguer os punhos e lutar pelo amor a qualquer custo – com uma pausa para o cigarro.
Na obra, o dia a dia solitário de Lou (Stewart) ganha um novo propósito quando Jackie (O’Brian) começa a malhar em sua academia. É amor a primeira vista e elas emendam seringas, sexo, café e ovos mexidos até que se veem morando juntas. Mas há um plano: Jackie está de passagem pela cidade, arrecadando trocados para chegar a Nevada e participar de uma competição de fisiculturismo – e a nova namorada aceita acompanhá-la.
No entanto, quem tem a mínima familiaridade com qualquer produção da A24, já sabe: essa não é apenas uma história de romance. Em Love Lies Bleeding: O Amor Sangra (como foi traduzido para o circuito nacional), não tarde para fazer o sangue começar a jorrar. A gerente de academia e a fisiculturista vivem em um mundinho perfeito a quatro paredes, mas o envolvimento da novata com a família de Lou desperta o pior nas duas.
Lou Sr. (pai da protagonista, interpretado por Ed Harris) é o mandachuva do submundo criminoso local e mete medo até na filha, enquanto o cunhado JJ (Dave Franco) também está metido na gangue e sempre se safa de bater na esposa (Jena Malone). Lou, como ex-membra do clã e ovelha negra da família, tem sua boa dose de mistério e traumas antes de desentupir privadas de academia. Nesse meio, Jackie é a única novata e muda os ares da cidade com suas intenções inocentes.
Do romance em diante, a narrativa roteirizada por Glass junto de Weronika Tofilska (Bebê Rena) não dá trégua e se desdobra em um thriller erótico, violento e bombado. A verdade é que a maçã nunca cai muito longe da árvore e a violência também está em Lou e, logo, contamina Jackie. É no retrato de duas mulheres sempre à beira do precipício (às vezes, literalmente) que Love Lies Bleeding abraça o caos e segue em frente.
No comando da bagunça, a dupla principal exala feromônios. Stewart e O’Brian (esta última uma fan cast mais que acertada) parecem gravitar uma em torno da outra, brilhando em cenas juntas e separadas. A veterana, especialmente, se tornou mestra em dominar qualquer gênero e é inevitável levantar as expectativas a cada novo projeto anunciado. Com Love Lies Bleeding não foi diferente e nem os braços finos sob as muscle tees disfarçam a potência da atriz em tela. Transitando entre uma figura vulnerável e reativa, Stewart rende até uma boa dose de comicidade e romance, para aqueles que sabem apreciá-lo.
Inclusive, é com as atrizes que o longa-metragem aproveita ao máximo suas protagonistas: a produção subverte os retratos tradicionais dos corpos que exibe e dobra as performances de gênero. Os músculos salientes, o suor e a testosterona viram o ápice da feminilidade, como se eles nunca tivessem pertencido aos homens antes. Em um cenário faroeste árido e opaco, repleto de mullets e bigodes tenebrosos (em um trabalho espetacular de cabelo e maquiagem), Lou e Jackie nunca estiveram tão brilhantes.
Nisso, Rose Glass dá o tempo e o espaço para suas atrizes assumirem essas subversões. Mesmo com um roteiro cheio, que sabe para onde ir, e uma montagem intrigante (responsabilidade de Mark Towns), a direção não perde de vista a dupla e a faz o centro do longa. Jackie, já apegada aos esteroides, vai ao extremo para sentir seus músculos pulsarem e prefere usá-los do que empunhar uma arma, elevando a violência do filme.
Já Lou é o oposto: mirrada, chegando a ficar pequena perto da namorada, nunca baixa guarda e sempre sabe o que fazer (e qual tapete enrolar) para resolver a situação, como um contraponto que avança a narrativa. A ambientação faroestiana aumenta a sensação de que algo ruim está a frente e, do início ao fim, Love Lies Bleeding nunca deixa a peteca cair.
Para adicionar mais química à reação já polvorosa, a produção ainda assume o body horror e fantasia. Se por um lado a escolha pode desviar a atenção do espectador mais tradicional dos thrillers, mostra que Glass tem sua visão e, divisivamente, confere ainda mais personalidade ao longa.
E como a diretora já havia explicado, o fantástico não é uma mera escolha estilística ou vaidade, mas deve ser próximo o suficiente para se conectar à realidade. O cargo fica na conta da violência incessante, que faz dos corpos suados, sujos, magros ou musculosos, protagonistas de trauma e dor, paixão e desejo, que eventualmente extravasam. A cada hora, a balança tende um pouco para algum dos lados.
Entre uma montagem inebriante, uma direção afiada em construir belas imagens que ficarão presas na mente por algum tempo e um elenco cheio de química (provando, inclusive, que Kristen Stewart é uma das atrizes mais interessantes de sua geração), Love Lies Bleeding se conclui com um divisor de águas. O body horror vira cósmico e o absurdo, e eleva a experiência a outro patamar (e arranca risadas, se você estiver disposto a comprar toda a loucura). No final, o amor é o combustível para a violência ou a violência é o combustível para o amor?
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