Erupcja marca a fria e charmosa estreia de Charli xcx no Cinema

Mais fumaça do que fogo, o longa de Pete Ohs entrega um melancólico estudo sobre a incomunicabilidade

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Há filmes que nos conquistam pelo que eles são, e há filmes que nos intrigam pelo que eles ameaçam ser. E Erupcja — lê-se eruptchá — se encaixa na segunda categoria. Em exibição na 49ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, a estreia de Charli xcx não poderia parecer mais com ela fora das telas. Lembrando muito a estrutura de um álbum da própria cantora — algo entre how i’m feeling now e brat. Somos apresentados a picos de entusiasmo e euforia de uma partygirl, seguidos por uma queda abrupta, um soco seco da dura realidade. Pete Ohs, na direção, captura hesitação e a faz protagonista. 

A trama acompanha Bethany (Charli xcx), que viaja para Varsóvia com seu namorado Rob (Will Madden). Ela sabe que ele irá pedi-la em casamento e, tomada pela angústia do compromisso iminente, usa o reencontro com sua amiga de adolescência, Nel (Lena Góra), como uma não tão sofisticada rota de fuga. Mais do que o conflito em si, o que chama a atenção é o complexo emaranhado de justificativas e misticismos baratos que a protagonista constrói para si. A incerteza, típica da juventude, é aqui legitimada por uma mitologia particular: a crença de que um vulcão entra em erupção em algum lugar do mundo toda vez que as duas se encontram.

A escalação de Charli xcx foi decidida em um bar com Jeremy O. Harris e Pete Ohs, pouco antes do lançamento de brat (Foto: Spartan Media Acquisitions)

Essa premissa se desenrola em uma estética assumidamente indie de festival, minimalista e focada nos diálogos e na atmosfera. Longe de ser um demérito, essa escolha é honesta e corajosa. Em contrapartida, a trama que personifica a juventude e suas incertezas como sintomas de algo maior, nesse caso, o vulcão. Por consequência da própria incapacidade de saber o que realmente desejam, eles se agarram a esses sinais. É um desbravar sem bússola em um espaço que qualquer sinal de fogo já é suficiente.

A construção de Bethany, focada nessa autodestruição fria e evitativa, coloca Erupcja em um diálogo temático muito claro com uma vertente recente do cinema independente europeu, predominantemente nórdico e focado no mal-estar geracional. O filme de Pete Ohs se aproxima, assim, de obras como A Pior Pessoa do Mundo (2021) e Sick of Myself (2022). Suas protagonistas são — ou se tornam— o centro dos seus próprios universos caóticos, indecisos, egocêntricos e confusos.

Charli xcx já tem mais três filmes a caminho: I Want Your Sex (com Olivia Wilde), Faces of Death (com Barbie Ferreira) e 100 Nights of Hero (com Emma Corrin) [Foto: Spartan Media Acquisitions]

Partindo de registros estilísticos fundamentalmente diferentes, Joachim Trier, em A Pior Pessoa do Mundo, opta por uma melancolia romântica e estruturada em capítulos para explorar a indecisão. Kristoffer Borgli, em Sick of Myself, mergulha na sátira grotesca e no horror corporal para criticar a busca por validação e  Pete Ohs escolhe um caminho distinto. Por outro lado, o diretor de Erupcja segue uma rota mais mundana, melancólica e interna, onde o vulcão é gelado e a principal arma de sua protagonista é a incomunicabilidade.

Naturalmente, os holofotes se voltam para Charli xcx, e sua estreia é, no mínimo, interessante. Ela evita o clichê da impulsividade vulcânica que o título sugere. Bethany não é explosiva, é contida e quase passiva. A artista acerta ao colocar em primeiro plano o medo, a hesitação e a consciência aguda e quase imperceptível de imaturidade. Embora competente na maior parte do tempo, sua atuação parece uma demo. É promissora, mas ainda morna, como se operasse como uma aluna diligente, o que, novamente, não é demérito nenhum em seu primeiro trabalho.

Erupcja integrou a Perspectiva Internacional da 49ª Mostra de SP e foi exibido no Festival de Toronto (Foto: Spartan Media Acquisitions)

Enquanto isso, outros personagens orbitam essa indecisão. Lena Góra, como Nel, é o destaque magnético do filme. Sua personagem é, talvez, o único retrato verdadeiramente adulto da trama, alguém que entende as consequências das erupções. Will Madden — estranhamente parecido com George Daniel, marido de Charli — entrega um Rob que funciona exatamente como um coitado que o roteiro pede. Já Claude (Jeremy O. Harris), o artista expatriado que encontram, serve como um choque de realidade: Qual é a piada? Vulcões matam pessoas. É um grupo de protagonistas interessante que, em pouco mais de uma hora, se articulam com fluidez.

O maior problema de Erupcja é que, para um filme batizado com um nome tão cataclísmico, ele parece satisfeito em observar o magma de longe. A metáfora é simples e óbvia; erupções são naturais, belas, mas fundamentalmente destrutivas. O filme ameaça o calor, mas permanece nas bordas. Algumas escolhas estéticas, como a narração em off em polonês, soam como uma simulação do charme de um Wes Anderson ou Amélie Poulain, sem de fato integrar-se à narrativa. Os 70 minutos passam de forma agradável, mas saímos com a sensação de que as explosões emocionais ficaram apenas no subtexto.

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