Hayley Williams, depois de duas décadas de uma carreira definida por batalhas e concessões, internaliza e expressa sua nova liberdade como ninguém. Para quem nunca foi fã de carteirinha, ou para aqueles que não sabiam sobre a égide da antiga Atlantic Records, devo admitir que encontrá-la agora é um presente, e que também gostaria de ter acompanhado todo seu crescimento até Ego Death at a Bachelorette Party.
Auto-lançado sob o selo Post Atlantic — cof, cof — o álbum não é aclamado à toa pela crítica. Pelo Metacritic, nota 91 com onze críticas; pela Rolling Stone foram 4,5 estrelas: “Hayley Williams supera o luto para entregar uma obra-prima solo”; pela Pitchfork o selo continua verde com 7.3: “A tristeza aparece prismaticamente, manifestando-se em vários tons e intensidades.“; e por mim, um refúgio no replay que me trouxe ao mundo indie que não visitava há anos.

Assim como sua carreira, é inexplicável o sentimento de ter perdido essa era desde o começo. Aqui, o primeiro ato não foi uma grande mudança na indústria como o dia de lançamentos. Mas foi original e criativo. Williams despejou dezessete faixas em um site de estética deliberadamente anacrônica, do Windows 98, e seus fãs podiam colocar as músicas na ordem que bem preferirem. Para ouvir a senha era um código da GDY, marca da tinta capilar vegana da própria. Quer ouvir? Então mude o visual!
Para quem perdeu essa parte e caiu de paraquedas no lançamento, entendemos o quanto de sentimento vai estar na obra desde a primeira faixa. Desde o título, na verdade. Em tradução livre: a morte do ego em uma despedida de solteiro, já podemos esperar confissões. Em Ice In My OJ, com refrões cantados a plenos pulmões, entendemos que o buraco vai ser mais embaixo. Temos uma palinha de como a guitarra e a bateria vão ser um estouro de fogos, mas que ainda não vão sobrepor os vocais, ainda mais sob a presença do grito de “I’m in a band” nessa abertura. Aliás, Hayley Williams faz parte do Paramore.

É difícil aqui pontuar o que faz desse álbum tão bom. Se é uma produção com muito esmero; instrumentais pop-rock que não passam despercebidos ou vocais que arrepiam. A certeza ao terminar é que as composições estão totalmente em outro patamar. Elas amarram todos esses elementos e ainda nos fazem sentir que estamos passando por tudo que nos é apresentado.
É um álbum confuso, sim. A ordem não parece realmente importar tanto de forma singular. Cada música não se complementa tanto quanto poderia, ainda que existam arcos temáticos bem definidos. Amoroso no final, profissional e artístico na primeira metade. O meio soa um pouco como fillers que crescem em certos momentos, mas que também não são tão falados. O ato em que deixava os fãs decidirem a ordem pode, na verdade, ter sido um tiro pela culatra.
Com as batidas do coração juntas aos da bateria, que se destaca em praticamente todas as faixas, sentimos tudo de um jeito tão profundo em sonoridade quanto são suas referências. Desde Zissou, um filme do Wes Anderson de 2004, passando pelo niilismo de expressões ambiciosas como chasing waterfalls ou shooting for the moon, até mesmo com um quote de Seu Jorge. Definitivamente não estamos falando de mediocridade, de superficialidade ou superestimo estético.

Começamos com um incômodo por não sermos ouvidos, então ficamos tristes e melancólicos até não estarmos mais, graças a uma pequena pílula controlada que nos faz comer, rezar e amar. Depois disso vamos nos apaixonar pela rua, levamos ghosting, pulamos de galho em galho até achar alguém que nos ame direito. Ao chegarmos em casa encontramos a peste do nosso irmão que amamos odiar, viramos a fechadura da porta do quarto e quem dera estivéssemos sozinhos. As autocríticas estão ali, mas quando tudo fica escuro só a luz pode entrar. Cercados de intolerantes e hipócritas, podemos não nos valorizar, mas ainda valemos mais que vocês.
E mesmo que haja alguém que nos valorize, nossa armadura é dura demais pra deixar o amor entrar. Por que não fazemos como os animais? No fim somos mamíferos mesmo, a diferença é que acreditamos em Deus, ainda que a maioria crie o próprio deus para se beneficiar. Mas criem o mundo que quiserem, todos fazemos isso para termos quem queremos. É um pouco bobo e egoísta, mas é normal perder tempo com isso.

À la Lost in Translation, estamos num hotel de metrópole mandando nosso número do quarto para termos companhia. Amar não é fácil, mas querer amar e não conseguir é mais difícil ainda. Céus, terras, anjos e demônios passarão, mas simplesmente não vou desistir do amor, independente de tudo.
No fim, o balanço é positivíssimo. Que lindo seria o mundo se a arte fosse recompensada por sua originalidade, trabalho e esmero. Por vezes ela é. Parachute fecha com chave de ouro e nos ensina que precisamos sempre sair de casa com um paraquedas, mesmo que nos deixem cair o importante é se jogar, seja pro amor, seja pra vida ou qualquer outra coisa. Temos que lidar com o devir, seja ele confuso, inacabado e inerentemente imperfeito.
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