Há algo profundamente íntimo na forma como o Corrida das Blogueiras existe desde 2018. Não na estética meticulosa dos realities internacionais, onde cada enquadramento parece ter passado por quinze camadas de aprovação corporativa, mas no afeto de quem monta um projeto com cola quente e convicção.
Eduardo Camargo e Filipe Oliveira — Edu e Fih, do Diva Depressão — aproveitaram toda sua independência criativa, e sete temporadas depois, o que importa menos são os acabamentos impecáveis e mais o que o programa representa enquanto escada de acesso, gesto político e entretenimento.

A sétima temporada estreou em uma terça-feira, 28 de outubro de 2025 na Audio, em São Paulo. Centenas de pessoas se apertaram para a watchparty oficial, gritando a cada entrada de participante e mais ainda quando discordam de algo. E diante das maquiagens que mais pareciam estudos de caso sobre o que não fazer — frutas malfeitas, conceitos confusos, e um maracujá vítima de crime —, tudo ainda fica bem no final. Porque nos ensinaram, ao menos a maioria, a rir das imperfeições sem desprezar quem as comete.
A partir daí, o Diva construiu algo raro no ecossistema da fama, um formato que se recusa a escolher entre relevância comercial e responsabilidade social. Quando a dupla opta por escalar participantes com menos alcance, isso só reafirma o DNA do projeto. Enquanto as próprias inscrições já renderam tanto, e trouxeram tantos famosos, a escolha final refletiu um dos cernes do programa que é não coroar quem já está coroado, mas iluminar quem ainda tateia no escuro, e não tem o algoritmo a seu favor.

As juradas Lorelay Fox, veterana que atravessa temporadas — e séculos —; Nátaly Neri, cuja trajetória intelectual empresta peso crítico ao programa; Palloma Tamirys, vencedora da sexta temporada que substitui Renata Santti em licença-maternidade; e Blogueirinha, que vem humilhar quando necessário e às vezes sem necessidade, cumprem papel essencial em julgar, pentelhar e orientar os participantes.
Enquanto Lorelay ou qualquer uma das outras juradas repete para lerem o briefing pela quinta vez no episódio, a frase que soava como cobrança hoje é uma tentativa de profissionalizar uma geração de criadores que aprenderam no improviso que briefing é sugestão e não contrato. É o programa tentando ensinar, também, que dominar técnica importa tanto quanto ter carisma, já que, da porta de entrada para frente as oportunidades tendem a aparecer.

A estreia da temporada 7 ainda não expôs tanto seus talentos virtuosos, mas entreteu como um ótimo teste de fé. É fácil reclamar das imperfeições. Mas o que elas revelam é mais honestidade que incompetência. Pensemos então, se o Corrida escalasse apenas maquiadores profissionais com dez anos de carreira e portfólios impecáveis, não seria mais o mesmo. Talvez melhor tecnicamente, certamente mais seguro comercialmente, mas vazio do propósito.
O reality se tornou uma marca não por imposição, mas por acumulação de afeto. Cada temporada adiciona camadas de significado, referências e piadas que viram moeda social. Quem estava na Audio na noite da estreia foi performar sua própria identidade como fã, como conhecedor, como parte de uma comunidade que se reconhece nos mesmos códigos. E essa comunidade transborda para muito além do canal oficial.

O programa alimenta um ecossistema inteiro de reacts — formato que explodiu nas plataformas de streaming e se tornou, por si só, um gênero de entretenimento. Streamers dedicam horas de live para assistir e comentar cada episódio ao vivo, gerando milhares de visualizações paralelas. Jenny Prioli, entre outros nomes, transformou as terças-feiras de Corrida em evento fixo de sua programação, mobilizando sua audiência com o mesmo entusiasmo com que a Audio se encheu na estreia.
O que começou como reality virou um ecossistema transmídia, onde cada episódio se desdobra em dezenas de outros vídeos, clipes, memes e análises. Desde a fase de inscrições já há quem reaja, quem especule, quem construa narrativas antes mesmo da primeira prova acontecer. Esse efeito multiplicador é sintoma de um programa que soube se tornar maior que si mesmo, que entendeu que o real valor está menos no episódio original e mais no que ele gera depois.
O Corrida das Blogueiras se tornou uma marca não por imposição, mas por acumulação de afeto. Nas imperfeições do programa, o propósito brilha mais que o acabamento. É uma estrutura que poderia ser melhor tecnicamente, que poderia ter orçamento maior, que poderia escalar nomes mais consagrados. Mas se fizesse tudo isso, deixaria de ser o que sempre foi.


Deixe um comentário