Com Split Fiction, a Hazelight dobra suas apostas

A nova aventura cooperativa dos criadores de It Takes Two leva os jogadores através de diversos cenários de ficção científica e fantasia

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Cena do jogo Split Fiction. Zoe e Mio estão num cenário de fantasia, com dois dragões pequenos empertigados em seus ombros. Zoe (à esquerda) é uma mulher caucasiana loira, trajando um robe verde com detalhes amarelos e dourados no pescoço e linhas marrons nos pulsos que convergem em formatos circulares antes das ataduras marrons que cobrem suas mãos. No pescoço, vemos um cachecol azul marinho preso por um broche prateado no formato de harpa. Na sua cintura, um cinto marrom com bolsas e fivelas. Seu cabelo está preso por um coque com uma mecha solta na testa e, espiando por seu lado esquerdo, há um pequeno dragão azulado com as patas em cada um de seus ombros. Mio (à direita) é uma mulher asiática de cabelos negros, usando um colete marrom por cima de uma camisa azul escura. Em seu pescoço há um cachecol vermelho preso por um broche triangular dourado e, em seu ombro esquerdo, há um pequeno dragão vermelho encarando-a. Seus ombros são cobertos por uma malha metálica e seus antebraços estão cobertos por um tecido vermelho. O chão ao seu redor é de pedra, coberto por plantas e musgo, com uma pequena murada de pedra atrás delas. Na esquerda da tela, há uma árvore de tronco fino surgindo atrás da murada. Na direita, à distância, vemos grandes paredes de pedra e mais algumas árvores.

É difícil pensar em um nome mais importante no cenário de videogames cooperativos do que a Hazelight Studios, o estúdio sueco por trás dos aclamados A Way Out e It Takes Two. Publicados pela Electronic Arts sob o selo EA Originals, esses jogos se popularizaram ao capturar uma parcela cada vez maior do público gamer, que ansiava por aventuras old school, sem a presença das temíveis microtransações ou de modelos de live service. It Takes Two, a aventura encantadora de um casal disfuncional tentando escapar de um mundo de fantasia em miniatura, foi especialmente marcante no auge da pandemia de COVID-19, em que a maioria de nós ansiava por conexão mais do que nunca, conquistando até mesmo o prêmio máximo no The Game Awards.

Apesar de sua excelência inspirar comparações muito aptas com outros clássicos contemporâneos, os títulos da Hazelight sempre possuíram um charme próprio bastante peculiar, apostando em tramas emocionantes e dramáticas, mas com doses altas de humor nonsense que parece ser feito especificamente para que você e seu companheiro de jogatina morram de rir enquanto apertam os botões. Seus jogos parecem ser cheios de um jeito que poucos hoje parecem investir: cheios de criatividade, dispostos a introduzir novas mecânicas constantemente e brincar com a sua capacidade de aprendê-las. De fato, eles são tão cheios que, jogando Split Fiction com minha amiga, meu único medo foi de que a criatividade do estúdio pudesse ter se esgotado. Felizmente, eu não poderia estar mais errado.

Cena do jogo Split Fiction. Mio e Zoe estão de costas, num espaço virtual, observando uma grande fenda que se abre no céu. Mio (à esquerda), é uma mulher asiática de cabelos negros, usando um macacão de manga longa branco, com detalhes cinzentos e linhas luminosas rosas convergindo num triângulo em suas costas. Zoe (à direita), é uma mulher caucasiana loira, usando o mesmo tipo de macacão que Mio, só que com linhas verdes convergindo num círculo em suas costas, com seu cabelo preso em um coque. O chão ao seu redor é feito de plataformas cúbicas que sobem e descem e, na sua frente, as paredes do ambiente parecem ser formadas pelo mesmo material, brilhando com uma luz púrpura desfocada. Na parede mais distante, uma fenda se abre, partindo a estrutura com uma luz azul em um formato de losango. Retalhos das estruturas cúbicas flutuam ao redor da fenda.
Com crossplay entre plataformas e um Discord dedicado à achar amigos, não há desculpa para não experimentar Split Fiction (Foto: Electronic Arts)

A narrativa de Split Fiction se dá dentro de uma simulação, na qual Mio (Kaja Chan) e Zoe (Elsie Bennet), duas escritoras de gêneros distintos, estão presas por uma máquina capaz de tirar as ideias de suas cabeças e torná-las realidade. O vilanesco CEO da empresa, Rader (Ben Turner), justifica o roubo da propriedade intelectual das duas em monólogos egocêntricos e analogias pouco sutis ao problema de IAs generativas. É uma premissa simples e que, à primeira vista, é apenas um eficiente pano de fundo para que o estúdio possa brincar com diferentes gêneros e clichês. Como seu nome prevê, Split Fiction é sobre a dualidade entre os gêneros de fantasia e ficção-científica, em como eles diferem e, mais importante, como eles (e consequentemente suas protagonistas) se sobrepõem.

Simultaneamente uma história de “peixe-fora-d’água” e de “opostos se atraem”, Split Fiction se molda quase que imediatamente ao senso de absurdo e ridículo inspirado pelos clichês que aborda, jogando os jogadores em uma série frenética de cenários antes que suas protagonistas entendam o que precisam fazer para escapar. O jogo espertamente nos posiciona da maneira que suas protagonistas se enxergam, personagens em uma simulação, direcionados pelo level design magistral da desenvolvedora. Graças a essa decisão criativa o jogo elegantemente elimina a barreira entre o real e o digital com a sutileza de uma marreta.

Nós assumimos o papel das escritoras e, desse ponto em diante, passeamos por suas criações, intercaladas por uma série de histórias paralelas que guardam alguns dos segredos mais criativos do game. Chega a ser hilário perceber que, por mais preparados que nós dois pensávamos estar para o que Split Fiction poderia entregar, nenhum de nós jamais chegou perto de prever o que cada um desses cenários guardava em termos de mecânicas ou visuais. É uma apresentação tão eclética e exacerbada que eventualmente fica claro que a Hazelight não liga em limitar seus jogos para o público infantil. Os gráficos vibrantes e as narrativas por vezes “bobinhas” contrastam explosivamente com momentos genuinamente agonizantes e visuais desconcertantes.

Cena do jogo Split Fiction. A tela está dividida por uma linha vertical no meio, separando a perspectiva de Mio (à esquerda) e Zoe (à direita). Ambas estão penduradas por ganchos em cordas que vão subindo em direção à balões flutuando pelo céu azul. No lado de Mio, a copa de uma árvore aparece à esquerda da tela e, na sua frente, há um mar azul com uma ilha no meio, coberta por arcos e torres. No céu, vemos balões e anéis flutuando  ao redor de Mio. No lado de Zoe, vemos uma plataforma com árvores dos dois lados, da qual Zoe pula para se enganchar na corda presa ao balão. Na sua frente, o mesmo mar azul, com algumas pedras emergindo na distância.
Cada fase do game tem personalidade suficiente para ser um jogo completo (Foto: Electronic Arts)

Split Fiction faz It Takes Two parecer um protótipo, um teste dos limites que a desenvolvedora estava se preparando para cruzar em seu próximo projeto. É uma não-sequência que remete ao salto criativo entre Arkham Asylum e Arkham City, ou Uncharted e Uncharted 2: jogos que retém as fundações, mas expandem tanto o escopo da sua ambição que fazem seus antecessores quase que obsoletos, apesar de estarem longe de ser isso. É uma experiência extremamente polida, do tipo que raramente se vê no cenário AAA. Durante as 12 horas em que passamos jogando, quase não houveram problemas técnicos, otimizando o desempenho da Unreal Engine 5 para rodar sem soluços e com um framerate estável, coisas essenciais num título cooperativo.

Mas o comprometimento do estúdio com esse tipo de experiência já é conhecido. Assim como em seus títulos anteriores, basta um jogador ter o título para poder jogar com um amigo. Esse tipo de atitude pró-consumidor conta bastante ao criar boa vontade numa época de inflação e aumento de preços. Acoplado com o fato de ser vendido na faixa dos 200 reais, Split Fiction é uma aposta que a Hazelight faz não apenas na qualidade de seu trabalho, mas na fé que depositam nos jogadores ao disponibilizar uma experiência tão completa e edificante por um valor tão justo.

Cena do jogo Split Fiction. Zoe e Mio olham uma para a outra, em frente à uma bolha que flutua no chão. Atrás delas, há uma montanha de areia coberta por ossos de criaturas parecidas com serpentes gigantes, e estruturas de madeira emergindo da terra. No entanto, ao fundo e dos lados, um cenário moderno, com janelas de apartamentos e um letreiro em neon azul no centro, com caracteres japoneses. Zoe (à esquerda), é uma mulher caucasiana loira, vestida com um macacão futurista esverdeado, de mangas longas e luvas, com linhas verdes luminosas dos lados. O cabelo de Zoe é preso num coque, com uma mecha solta na frente da testa. Mio (à direita) é uma mulher asiática de cabelos negros, usando o mesmo tipo de macacão que Zoe, só que azul com detalhes negros e linhas rosas luminosas dos lados. A bolha na frente delas mostra uma textura amarelada coberta por uma sombra.
Prepare-se para coisas estranhas ao longo da sua aventura (Foto: Electronic Arts)

Com Split Fiction, a desenvolvedora fez um título que parece quebrar a barreira de gêneros constantemente, prestando homenagens à diversas outras produções ao longo do caminho e belamente incorporando suas mecânicas no meio do caminho. Apesar de não ser o jogo mais visualmente impressionante da última geração, o estúdio implementa tantas mecânicas diferentes e que interagem consigo mesmas de jeitos tão inventivos que Split Fiction acaba se tornando uma das poucas produções a justificar os avanços tecnológicos feitos até aqui e as possibilidades que o futuro reserva para os videogames.

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