Apesar de ter continuado o legado de excelência de sua predecessora, a primeira temporada de Castlevania: Noturno foi claramente uma mudança de direção para a série, que precisava aprender a florescer por si própria. Parte dessas “dores de crescimentos” se refletem em seu final abrupto, se escorando num gancho súbito para casar com seu próximo ano. Seus personagens, apesar de carismáticos, ficam subservientes à uma narrativa introdutória sempre à um passo da grandeza. Se em sua primeira temporada Noturno fica preso à expectativa de plantar sementes para seu futuro, é na segunda que todas elas florescem.
No que é provavelmente a melhor adaptação da franquia icônica de videogames da Konami até agora, Castlevania segue o caminho da noite e se torna uma máquina narrativa de eficiência infernal. Nenhum de seus personagens é deixado de ser examinado sob o olhar atento do time de roteiristas do estúdio Powerhouse, que só perdem em talento para os animadores da casa, apoteóticos em sua habilidade de renderizar o conflito sangrento contra os vampiros. O segundo ano da produção não é apenas exemplar como uma adaptação de videogame, mas como uma animação adulta das mais vistosas e embriagantes.

Seguindo o reaparecimento milagroso de Alucard (James Callis), Richter (Edward Bluemel) e seus aliados precisam se dividir para achar um meio para derrotar a Condessa Sangrenta e seu exército de criaturas da noite, fazendo a primeira decisão certeira da temporada e dando espaço para seus protagonistas se acharem. Perseguido por suas falhas e a expectativa de sua linhagem, Richter é obrigado a lidar com séculos de merecida arrogância vindas do filho de Drácula, nem tão secretamente contente de ver um novo Belmont em carne e osso. Maria (Pixie Davis), por outro lado, é colocada em uma espiral decadente após a transformação de sua mãe nas mãos de Erzsebet (Franka Potente), fomentando um ódio destrutivo por seu pai e explorando um lado mais sombrio de seus poderes de invocação. Juste Belmont (Iain Glen), que na temporada anterior foi apenas ponta no arco de redescobrimento do neto, recebe um tratamento bem mais rebuscado, buscando salvar Maria de si mesma e se redimir por seu próprio passado.
Em direção à Paris, Richter se conecta profundamente com Annette (Thuso Mbedu), seja pela conexão trágica que suas mães partilham ou pela ambição de livrar o mundo dos aristocratas sugadores de sangue que ameaçam o futuro de liberdade visionado pelo século XVIII. A fantasia histórica de Castlevania: Noturno ganha força ao integrar a Comuna de Paris e figuras como Robespierre, apesar de ainda focar em aspectos sobrenaturais que dificilmente teriam ficado fora de um livro de história. Se havia mesmo um dragão cuspindo fogo em uma divindade egípcia bem em frente ao Arco do Triunfo, bem, quem pode dizer?
E falando em divindades, a segunda temporada aposta ainda mais no lado espiritual da fantasia sombria da série, que por anos havia sido posta de lado pelo cinismo de Warren Ellis. Annette, descendente do orixá Ogum, usa sua ligação com seus ancestrais para encontrar uma forma de evitar o renascimento da deusa Sekhmet no corpo de Erzsebet. Novamente escrita por Zodwa Nyoni, o episódio que explora essa conexão é um dos pontos altos da temporada, marcado por diálogos incisivos sobre fé, relacionamentos e família.

Se tem uma coisa que Noturno prova em sua segunda temporada é que as lutas icônicas da série, constantemente elogiadas por sua animação primorosa, só funcionam em decorrência dos momentos mais quietos, onde personagens apenas sentam para conversar sobre suas dores. A nova leva de episódios conta com alguns dos momentos mais sinceros de ambas as séries, com conversas sinceras sobre perda e luto. No núcleo de Machecoul, Maria é forçada a lidar com a partida da mãe não para o céu ou para o inferno, mas para uma condição que nem ela própria pode compreender. O amor de Tera (Nastassja Kinski) por sua filha se choca com sua nova fome vampírica, e ambas despertam o pior que há uma na outra, culminando numa das sequências mais chocantes da série no quarto capítulo.
Se a temporada anterior foi definida pelo espírito de juventude de seus antagonistas, levados adiante tanto por esperança quanto por suas frustrações com o mundo, o novo ano é caracterizado pelo choque dessa energia com a temperança da idade. Para aqueles que temiam que Alucard serviria apenas como um lembrete dos bons e velhos tempos, fiquem tranquilos: o personagem recebe o devido cuidado em sua transição, desenvolvendo peso tanto na mudança de seu design (agora mais parecido ainda com sua contraparte digital) quanto em seus diálogos, carregados pela melancolia que apenas um meio-vampiro consegue expressar. De fato, todos os diálogos da série parecem ter amadurecidos junto com seus personagens, permitindo que seus sentimentos fluam com sinceridade, sem necessariamente usar piadas para cortar a tensão.
O romance trágico entre o vampiro Olrox (Zahn McClarnon) e o cavaleiro Mizrak (Aaron Neil) é uma das tramas que mais se beneficia desse novo tratamento dado aos diálogos, humanizando os pontos de vistas de ambos os personagens e nos fazendo sentir pela inabilidade deles de achar trégua um no outro. Ao final da temporada, as escolhas desses personagens refletem tanto suas maiores aspirações quanto seus maiores defeitos, dando deixas interessantes para as direções de uma possível terceira temporada.

Durante o penúltimo capítulo, eu tive de me beliscar quando a versão reimaginada da faixa Divine Bloodlines começou a tocar. Em uma sequência apocalíptica, o embate entre o bem e o mal chega em seu clímax e a animação do seriado mostra todo o seu potencial. A violência é orquestrada tão belamente, seus personagens recebem tanta caracterização através de seus movimentos que chega a ser hipnotizante. É um festim de sanguinolência cacofônica e extravagante, mas que nunca perde a elegância de seu traço.
É também nesse clímax que as duas maiores antagonistas da série recebem sua oportunidade de brilhar. Drolta (Elarica Johnson), que nos conquistou com seus looks magníficos e estilo impecável em 2023, retorna com ainda mais fogo no olhar, após uma cerimônia de ressurreição profana ordenada por sua mestra. Através de alguns flashbacks, descobrimos sua relação pessoal com a deusa Sekhmet e os motivos de sua devoção. Seja pela resposta do público à personagem ou pelo planejamento original dos episódios, Drolta agora é bem mais do que apenas uma serva. Erzsebet ainda funciona basicamente como um avatar do mal supremo, fornecendo um desafio à altura para nossos heróis, que precisam usar todos os truques em seu arsenal para sequer chamar sua atenção.

No final das contas, não é nem a violência e nem o sangue que definem Castlevania. Apesar de sempre oferecer excelência em ambas categorias, o que define a série do estúdio Powerhouse sempre foi a sua disposição de olhar para o futuro quando poderia estar obcecada pelo passado. Ao invés de adaptar somente a trama dos jogos da Konami, Castlevania sempre escolheu o caminho mais difícil, optando por trazer seus personagens em histórias que certamente ecoam o conhecido, mas que sempre oferecem novas perspectivas e parecem aprender consigo mesmas. Seus personagens, tanto os heróis quanto os vilões, são definidos pela humanidade por trás de suas ações e pelo quanto nós conseguimos simpatizar com seus piores impulsos. Seus monstros são terríveis, mas são eclipsados por momentos de genuína ternura e gentileza, momentos em que, quebrados, seus personagens ainda assim decidem ser melhores do que já foram.
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