A Morte Não Existe: a lamúria também é estética

Um dos destaques da 49ª Mostra de SP, a animação franco-canadense tece sua mensagem através da imagem

min de leitura

Na calada da noite, um grupo de guerrilheiros se reúne ao redor de uma fogueira para tramar o ataque a uma suntuosa mansão de uma proprietária de terras. Entre a vingança e a justiça que alimenta o espírito daqueles jovens, Hélène (Zeneb Blanchet), a protagonista e nosso ponto de vista, é tomada pela dúvida. É essa hesitação que guiará suas ações a partir dali, quando, ao avançar no terreno, seus planos falham e seus amigos sucumbem diante de seus olhos. A vida lhe dará uma segunda chance. O que fazer com ela?

Os primeiros minutos de A Morte Não Existe são, ao mesmo tempo, túrbidos e indubitavelmente imersivos. A animação franco-canadense — exibida no Festival de Cannes e agora na seção Perspectiva Internacional, da 49ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo — é propositalmente dúbia e vaga acerca da origem e motivação do grupo. A narrativa convida o espectador a preencher as lacunas com sua própria subjetividade e, assim, permite ancorar-se integralmente nas emoções de seus personagens.

Produzido em Quebec e intitulado La Mort N’Existe Pas no original, o filme é inteiramente falado em francês (Foto: Embuscade Films/Miyu)

A partir da premissa inicial, a produção desafia nossa noção de tempo, espaço e realidade. Perdida na imensidão da floresta, Hélène terá sua inércia desafiada pela autoridade brutal de Manon (Kerelle Tremblay), sua antes-morta-melhor-amiga, cuja presença passa a persegui-la, acusá-la e culpá-la pelo destino de seus colegas. Entre debates político-existenciais que vêm e vão, a história inverte fatos, ressuscita personagens e contradiz as próprias regras que antes estabeleceu.

Por vezes, o roteiro e direção de Félix Dufour-Laperrière sacrificam sua coerência interna para manipular as reações do público. O resultado é que a angústia torna-se inescapável. Seja na fuga ou no enfrentamento, a melancolia de Hélène é palpável justamente porque somos obrigados a sentí-la.

A direção visual de A Morte Não Existe investe em texturas marcantes, dando a frequente impressão de ser desenhada sob um bloco de mármore branco (Foto: Embuscade Films/Miyu)

Nesse processo, a técnica de animação cumpre um papel essencial. Talvez o aspecto mais notório em um primeiro contato, a paleta cromática de A Morte Não Existe é chapada e propositalmente limitada. Os personagens não têm cor própria, mas sim se convergem aos elementos do cenário conforme seu estado emocional. Em circunstâncias específicas, os diálogos soam praticamente descartáveis: do dourado reluzente ao puro branco de um papel, as cores contam toda a história.

Laureado pela trilha sonora assinada por Jean L’Appeau no Festival de Annecy — referência em Cinema de animação —, A Morte Não Existe faz da técnica um catalisador de emoções. A despeito da narrativa densa e difusa, Dufour-Laperrière investe na universalidade das imagens para criar uma experiência surreal, transcendental e visualmente tátil.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *