Antes de tudo, queria começar dizendo que esse texto é um dos mais difíceis que já tentei escrever. Talvez pela proximidade com o tema, porque Friends é minha série favorita (assim como para outras milhões de pessoas) ou porque Chandler é um dos meus personagens preferidos. (Acho que isso não é novidade para as pessoas mais chegadas a mim, mas não custa deixar registrado aqui caso você tenha caído de paraquedas).
Quando recebi a notícia da morte do Matthew Perry pela primeira vez, pela minha amiga Ana Laura, eu fiquei sem reação. Achei que era alguma outra fake news que surgiu por aí, igual aquela vez em que a Folha noticiou antecipadamente e erroneamente a morte da Rainha Elizabeth. Até soltei um riso imaginando a reação do Matthew sabendo dessa furada. Porém, na verdade, não haveria um retweet com o comentário dele. Talvez com um trocadilho com seu personagem, como um “could I be any more alive?”. Daí, mais e mais amigos me mandaram diversos portais falando da sua repentina morte. Bom, a essa altura, você já deve saber que era verdade mesmo.
Toda essa introdução foi para dizer que foi doloroso ler sua autobiografia, Amigos, Amores e Aquela Coisa Terrível, depois de um ano da sua morte. Confesso, posterguei a leitura do livro na época do seu lançamento, em 2022, mas isso se arrastou ainda mais depois daquele 28 de outubro de 2023. Sua obra é um retrato sincero e dolorosamente humano de uma vida marcada por um sucesso estrondoso e batalhas internas devastadoras. Nas suas 354 páginas, Matthew Perry transcende a superfície de sua fama para revelar um indivíduo complexo, vulnerável e, acima de tudo, honesto.

O livro, publicado pela editora BestSeller e traduzido por Carolina Simmer, explora temas universais, como o impacto do vício, o preço da celebridade e as tentativas de redenção. O autor detalha sua luta contra o alcoolismo e a dependência de opioides, expondo as cicatrizes físicas e emocionais deixadas por anos de abuso. O tom, frequentemente equilibrado entre humor autodepreciativo e introspecção profunda, reflete sua habilidade única de transformar tragédias em histórias significativas.
Culturalmente, a obra é um comentário poderoso sobre a dicotomia entre o glamour de Hollywood e a realidade de seus bastidores. Enquanto Friends imortalizou Matthew Perry como um símbolo de humor e inteligência, suas memórias expõem a fragilidade e solidão que muitas vezes acompanham a fama. Ele também questiona o impacto de suas escolhas, usando sua experiência para inspirar outros a enfrentarem desafios semelhantes.
Ao pé da letra, Matthew dizia que era um “zé-ninguém” antes do seriado explodir. Com o relacionamento conturbado dos seus pais que, em suas palavras, não deveriam ter se casado e a sua relação com ambos extremamente fragilizada, ele acreditava que o vazio que se sentia só seria preenchido com a fama. Ainda que tenha feito papéis pequenos no Teatro e na Televisão, seu ápice foi em 22 de setembro de 1994 com o piloto do sexteto de amigos no sofá ao som de I’ll be there for you.

O título, que combina amor, amizade e “a grande coisa terrível”, é simbólico de sua história. O autor reflete sobre como o vício moldou sua percepção de si mesmo e de suas relações, abordando com honestidade o preço que pagou emocionalmente por suas escolhas e a dificuldade de quebrar padrões autodestrutivos. Inclusive, pelo fato de que, mesmo tendo se envolvido com diversas mulheres, não houve algo duradouro e, principalmente, não teve a chance de realizar um dos seus maiores sonhos: ser pai.
Enquanto Friends marcou gerações, tornando-se um dos maiores fenômenos da TV, a autobiografia expõe como esse sucesso impactou Matthew de formas ambivalentes. Ele detalha momentos nos bastidores, sua relação com o elenco e as pressões de manter uma persona cômica enquanto lidava com demônios internos. Para os fãs da série, o livro oferece uma perspectiva fascinante sobre o que acontecia além das câmeras, transformando Chandler Bing de um personagem icônico em um reflexo da complexidade humana. A parte que mais mexeu comigo é saber que entre o episódio do pedido de casamento de Mondler e o seguinte, um dos ápices de toda a série, Matthew transitava por reabilitações para dar fim ao seu vício de opioides.
“Dá para acompanhar a trajetória da minha dependência química pelo meu peso entre as temporadas. Quando estou mais pesado, era álcool; quanto estou magro, eram remédios. Quando estou com cavanhaque, eram muitos remédios”.
Desde o início, Perry se propõe a ser transparente, expondo tanto momentos gloriosos de sua carreira, quanto os mais sombrios de sua vida pessoal. Ele compartilha detalhes pungentes sobre internações, cirurgias e o impacto que o vício teve em sua saúde física e mental. A narrativa alterna entre passagens repletas de humor autodepreciativo, uma marca registrada do ator, e reflexões cruas que revelam sua luta por redenção.
É nessa dualidade que a obra se aprofunda, mostrando como a persona de Chandler Bing e a vida de Matthew Perry se entrelaçam. O humor autodepreciativo que tanto amamos no personagem era, na verdade, um reflexo da forma como o autor lidava com suas próprias dificuldades. Ele usava a comédia como um escudo e uma ferramenta para ser aceito, revelando a complexidade por trás de um dos personagens mais queridos da televisão. A leitura do livro, embora por vezes amarga, oferece uma sensação de aproximação e compreensão do ser humano por trás do ator, permitindo um encerramento para o luto de muitos fãs.
Sua morte, em 28 de outubro de 2023, chocou o mundo e, especialmente, seus colegas de elenco de Friends. Jennifer Aniston, Courteney Cox, Lisa Kudrow, Matt LeBlanc e David Schwimmer emitiram um comunicado conjunto expressando sua profunda tristeza: “Estamos todos totalmente arrasados com a perda de Matthew. Éramos mais do que apenas colegas de elenco. Somos uma família”. Eles destacaram a necessidade de um tempo para lamentar e processar a perda inestimável, prometendo compartilhar mais quando pudessem. Este comunicado ressaltou a forte ligação que o elenco manteve ao longo dos anos, transcendendo a relação profissional.

Amigos, Amores e Aquela Coisa Terrível é uma leitura que, apesar de dolorosa, é envolvente e fluida, graças ao carisma inegável do autor. Ele não se coloca como vítima, mas assume seus erros e relata seus traumas com uma honestidade brutal, explicando a origem de seus comportamentos sem justificá-los. O livro se torna, assim, um testemunho de sua luta pessoal e de sua vontade de ajudar outras pessoas que enfrentam batalhas semelhantes.
Embora nem todos os seus sonhos tenham se concretizado, o legado de Matthew Perry, tanto como Chandler Bing quanto por meio de seu trabalho de apoio a pessoas com vício, continuará a ressoar e a impactar muitas vidas. É uma obra que, no fim, traz uma mensagem poderosa de esperança e resiliência, convidando o leitor a uma profunda reflexão sobre a vida, o vício e a busca por redenção.
Obrigada por tudo, Matthew. I’ll be there for you ‘cause you’re there for me too.


Deixe um comentário