A reviravolta nada devastadora de Rachel Chinouriri no Brasil

Em uma íntima noite de quarta-feira, aprendemos sobre a cura pela Arte no Cine Joia

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Ser fã é uma coisa que existe desde sempre, um instinto quase primal de admirar e nos inspirar em algo ou alguém. Desde os primeiros heróis, os mitos, as figuras históricas que levavam multidões, o ídolo é um espelho do que gostaríamos de ser ou sentir. Hoje, temos as grandes divas pop, os gigantes do rock, artistas que já são marcas globais. E é fácil ser fã delas. 

Você tem décadas de hits, performances, carreiras que são estudos de caso. Quando começamos com esses, a aposta já foi feita lá atrás, hoje a vitória é garantida. Podemos escolher com a certeza de que teremos conteúdo e estabilidade por anos a fio. Não estamos mais no campo do palpite, mas sim na zona de conforto da consagração.

Mas, cá entre nós, o que realmente faz o coração bater mais forte é a emoção de apostar, de verdade, em um talento que está começando. É quase como se você fizesse parte da construção daquela história. Não há garantias de que eles vão estourar ou que a arte deles vai se manter relevante. E é exatamente essa aposta, esse palpite intuitivo, que nos move.

Nessa fase, o artista ainda é acessível, as interações nas redes sociais não são mediadas por mil assessores, e o show, invariavelmente, é mais íntimo. A energia que flui entre o palco e a plateia é a de uma descoberta mútua: ele se emociona com os seus fãs e sua energia, enquanto você se sente validado por ter reconhecido aquele talento antes de tanta gente. É um pacto de cumplicidade que as grandes celebridades, por questão de escala, já não conseguem mais oferecer.

Será tão pequena assim? Rachel abriu o show da Sabrina Carpenter em Londres (Foto: Rachel Chinouriri)

Com capacidade de mil pessoas e numa noite de quarta-feira, encontramos a diferença e a beleza de ser fã de uma artista em ascensão. E é nessa atmosfera de shows menores, onde não precisamos ver o artista a um quilômetro de distância por entre milhares de celulares, que a experiência de ser fã é verdadeiramente nossa. 

O show da sua vida, spoiler, raramente é aquele de festival com cem mil pessoas. A melhor parte? Não ironicamente são os amigos que encontramos pelo caminho. Não achamos alguém que gosta de Rachel Chinouriri a cada esquina — que achemos um dia, amém. Mas quando encontramos, essa relação nasce de um interesse bem mais particular. 

Cultivamos essa conexão, muitas vezes pelo X, na verdade. E quando o artista finalmente vem, movemos mundos e fundos pra estar lá e é como se tudo fizesse um sentido. Quem não quer fazer parte de algo único? De um clube seleto que viu a história acontecer, e isso, pensamos, é a melhor parte de ser fã. E vale cada segundo de uma terrível depressão pós-show.

No Cine Joia tínhamos uma Rachel pra cada um (Foto: Atlas Artists)

Como podemos ser tão felizes em um show cujo álbum principal se chama What a Devastating Turn of Events? (em tradução livre: que reviravolta devastadora). Bem, a explicação é simples: ele é bom. Desde uma capa icônica a composições robustas, esse álbum é inteligente e espontâneo. Primeiros álbuns dificilmente são levados a sério quando sequer conhecemos quem está por trás. Parte da obra é, deve ser e sempre será, uma reflexão de quem o assina. Nesse sentido, aqui as confissões e reflexões nos mostram quem é Rachel Chinouriri.

Prefiro não apresentá-la pessoalmente à vocês, eu e meu pôster autografado vamos guardar nossas percepções para as perguntas na DM como “quem era aquela cantora que você viajou pra ver?” Mas posso dizer que ela é britânica e usa o álbum como um inventário emocional em que se livra de tudo que não tokimeku — aquilo que não faz o coração palpitar de alegria, Marie Kondo ensinou.

Rachel canta sobre temas que a maioria da música pop evita explicitamente, o luto e o peso da tragédia familiar narrados na faixa-título, e o medo de repetir ciclos tóxicos de sua comunidade. Sobre como às vezes se odeia, no entanto, passa a se amar. Mas essa arte, mesmo que dolorosa, é linda também porque é libertadora. E essa purgação começa nas faixas Never Need Me e All I Ever Asked, onde ela manda embora a toxicidade com uma honestidade até irônica, e passa para questões mais pesadas.

Percebemos que ela está, literalmente, aprendendo a gritar sobre quem ela é e sobre o que a define. The Hills trouxe isso – e mesmo não sendo uma das minhas favoritas, foi nessa que perdi totalmente a voz. Além da diversão, cantamos com ela, conversamos, ela nos fez cantar parabéns pra sua melhor amiga. E quando terminamos pela metade, ainda nos cobrou o pique, a hora e o rá tim bum. É lindo a simetria sentimental que construímos. Com declarações de amor mútuas e lembretes de que quando as nuvens escurecerem, pensarmos que ela nos ama em retorno. Validamos então, mutuamente, nossa identidade e lugar no mundo. É essa coragem que transforma seu trabalho em algo tão especial, principalmente para nós que estivemos por lá.

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