Repressão e esperança: Andor retorna ainda mais sombria e política em seu 2º ano

Produção indicada ao Emmy 2025 reafirma Star Wars em sua forma mais política e humana, revelando que a chama da rebelião nasceu da coragem de pessoas comuns

min de leitura

andor-season-2-diego-luna-cassian-andor-looking-hurt-and-upset

Enquanto que a primeira temporada de Andor optou por uma abordagem muito mais pessoal e micro (mesmo que as consequências tenham ecoado por toda a galáxia), voltada principalmente para o desenvolvimento de Cassian (Diego Luna), o retorno da série às telas do Disney+ foca em expandir suas fronteiras, intensificando a construção da Aliança Rebelde, e, por consequência, a luta contra o Império. 

Lançada em abril de 2025 e mantendo a divisão narrativa em arcos de três episódios, a segunda e última temporada de Andor aborda os quatro anos que levam até os acontecimentos em Rogue One: Uma História Star Wars (2016). Assim como em seu primeiro ano, ela utiliza um universo fantástico para espelhar nossa realidade, ecoando cenários que já aconteceram e podem acontecer novamente. Mas, em uma abordagem crua e raramente vista na mídia mainstream (especialmente inesperado para uma obra da Disney), a brutalidade aqui atinge um novo ápice, nos mostrando como uma revolução é construída por meio de sacrifícios… E, na maioria das vezes, aos custos de muitas das vidas que deram início à luta. 

Amigos em todos os lugares 

Começando um ano após o final da primeira temporada, somos apresentados a um Cassian mais confiante e habilidoso, um agente de elite disposto a fazer o que for necessário pela Rebelião… mesmo que isso signifique tomar decisões questionáveis pela continuidade da luta. 

Apesar de já contarem com papéis de destaque no primeiro ano, alguns personagens também recebem sua chance de brilhar conforme a série expande suas fundações. É o caso de Bix (Adria Arjona), que escapou de Ferrix junto de Cassian e engatou um relacionamento com ele, e precisa lidar com o trauma que viveu durante seu período presa, tendo pesadelos constantes. É interessante ver como a personagem é apresentada aqui, com uma abordagem muito sensível e realista; psicologicamente muito abalada, ela ao mesmo tempo vive em um mundo que não a permite processar tudo que passou com a ameaça constante do Império, mas isso não a impede de lutar para restituir sua autonomia. 

Luta contra o Império inspira não por ser heroica ou cinematográfica, mas por atos de resiliência e desafio (Foto: Lucasfilm)

Acompanhamos também a senadora Mon Mothma (Genevieve O’Reilly), que se vê cada dia mais presa em uma teia de mentiras e desconfiança, navegando os meios democráticos que ainda restam para se opor ao controle imperial, enquanto financia a Rebelião por baixo dos panos. Aqui, vemos os custos de sua resistência, tanto políticos quanto familiares: permitir que sua própria filha seja usada como barganha em um casamento arranjado para garantir fundos para a resistência, ou ter sua fraude fiscal descoberta pelo Império? Se permitir ser chantageada, ou optar pelo assassinato de um velho amigo para se certificar de que o risco foi eliminado? 

São escolhas como essas que vão permear a jornada de todos os personagens, com uma moralidade muitas vezes questionável se mostrando necessária para navegar os conflitos, tanto envolvendo o Império quanto internos da própria Rebelião. Ambiguidade moral está presente por toda a série, em todos os seus núcleos: nos pegamos questionando atitudes de personagens “bons”, enquanto muitas vezes torcemos por personagens “maus”. Mais que mostrar que os rebeldes fazem o que é correto, Andor expõe que eles fazem o que é necessário — custe o que custar, o Império precisa cair. 

É justamente essa mentalidade que move também Luthen (Stellan Skarsgård), nosso misterioso “mestre dos sussurros” de Star Wars, e sua fiel parceira, Kleya (Elizabeth Dulau). Mantendo uma fachada como antiquários em Coruscant, finalmente nos é revelado mais sobre sua relação, construída por meio de um trauma e carinho familiar. Ambos sacrificam sua liberdade (e, no caso de Luthen, sua vida) na luta contra o Império e em busca de manter a rede de contatos da resistência viva, sendo essenciais para a construção da Aliança Rebelde. 

Stellan Skarsgård e Elizabeth Dulau dão vida à dois dos personagens mais fascinantes introduzidos pela série (Foto: Lucasfilm)

A morte da verdade 

Se em seu primeiro ano Andor foca, entre outros temas, na burocracia por trás da máquina imperial e em como a opressão força o indivíduo comum a se radicalizar contra o sistema, a segunda temporada parte com tudo para mostrar como a brutalidade e a morte da verdade tornam o conflito inevitável. E isso é demonstrado com o arco do planeta Ghorman e seu povo

A história de Ghorman e o massacre orquestrado pelo Império são temas centrais na 2ª temporada de Andor (Foto: Lucasfilm)

Desde o início da trama, vemos um interesse extremamente específico do Império em Ghorman — sob a desculpa de uma iniciativa energética para gerar energia estável e ilimitada (que não poderia ser usada para nenhum propósito nefasto, não é mesmo?), vemos o retorno de Dedra (Denise Gough) participando de uma reunião de membros do Escritório de Segurança Imperial, liderada pelo Diretor Krennic, interpretado aqui por um excelente Ben Mendelsohn, que reprisa seu papel de Rogue One. Em uma cena inspirada diretamente em uma conferência nazista real, realizada em 1942, na qual líderes do governo alemão definiram o que viria a ser o extermínio de mais de 6 milhões de judeus durante o Holocausto, somos apresentados ao real interesse do regime: o minério calcita, capaz de ser utilizado para gerar energia e somente encontrado no planeta. Aqui ainda não é citado abertamente nenhum tipo de ataque (direto) contra os Ghor, baseando-se apenas na “necessidade” do programa de energia imperial, mas o subtexto já está mais do que claro. 

Com um projeto secreto firmado para viabilizar a mineração do planeta, vemos, ao longo de um ano, a construção de uma campanha de difamação, buscando posicionar os Ghor como um povo rebelde, hostil e prepotente para o restante da galáxia. Ao mesmo tempo, a opressão crescente no planeta busca orquestrar a construção de um movimento insurgente, para ser utilizado como desculpa para consolidar o poder autoritário do Império, impulsionada pela máquina de propaganda imperial. 

Pelos olhos de Cassian, Syril (Kyle Soller), Dedra e outros personagens, vemos toda a construção do desespero de Ghorman e o aumento da violência contra eles, até que o ponto de tensão atinge seu limite. Durante um protesto pacífico na praça central, uma tragédia anunciada se desenrola de maneira desesperadora diante de nossos olhos: em uma ação coordenada pelo Império, os Ghor são isolados em um espaço sem saída, e um atirador imperial dispara o primeiro tiro… em um oficial de segurança. No desespero do momento e sem saber onde está o atirador, o restante das forças imperiais abre fogo contra a população em um massacre brutal. E aqui, Andor não nos poupa da cruel realidade — trata-se de um genocídio, indiscutível, com plena autorização governamental e controle total da narrativa pela mídia. 

Carnificina mostra verdadeira face da opressão imperial e a necessidade de uma resistência organizada (Foto: Lucasfilm)

Estamos falando aqui de Star Wars, uma franquia que não é de forma alguma avessa à representações de violência, assassinato ou massacres em tela (afinal, ela conta com “guerra” no nome): o expurgo dos Jedi durante a Ordem 66, a destruição de Alderaan pela Estrela da Morte, para citar alguns exemplos. Mas Ghorman parece… diferente. Mais pessoal, mais cruel. Assim como Ferrix na primeira temporada, o criador Tony Gilroy entende a importância de que, além de ver aquele povo e sua cultura, precisamos nos importar com eles. É por isso que acompanhamos sua luta desde o início, mostrando todo o processo até o desastre. E os paralelos feitos com a vida real não são coincidência, mas puramente intencionais. Aqui mais do que nunca, a arte prova sua importância como crítica à nossa sociedade, e isso incluir classificar um genocídio como… um genocídio. E suas consequências vão ecoar por toda a galáxia. 

Crueldade e frieza de Dedra foram fatores decisivos para consolidar o poder do Império (Foto: Lucasfilm)

Nem mesmo aqueles dentro da estrutura opressora estão seguros: a busca por agradar e servir levam a vida de Syril (que só percebe estar sendo usado quando é tarde demais), enquanto que a ambição e prepotência de Dedra levam sua liberdade, com a ironia dela ser a responsável pelo vazamento da informação que levaria a Aliança Rebelde a descobrir sobre a Estrela da Morte e, eventualmente, se levantar em luta armada contra o Império. 

Discurso de Mon marca ponto de virada para a Rebelião, sendo um ato de desafio aberto à tirania imperial (Foto: Lucasfilm)

E se o espectador esperava que, após um episódio tão intenso, teria um respiro, estava muito enganado. Logo após a sequência trágica realizada em Ghorman, no capítulo seguinte Andor nos presenteia com mais um dos seus excelentes monólogos, desta vez em forma de um discurso de Mon perante o Senado Imperial. Mesmo sabendo que isso significaria o fim de sua carreira política (e sua prisão), ela se coloca à frente para expor os crimes do governo, em uma fala que representa Star Wars em seu melhor e mais bruto estado; um verdadeiro ponto de virada na opressão imperial e posicionamento da Aliança Rebelde. O episódio do massacre concorre ao prêmio de Direção no Emmy 2025, enquanto o episódio do monólogo está na disputa pelo Roteiro em Drama. Andor ainda aparece na lista de Melhor Série, e até levou alguns méritos técnicos para casa semana passada. Fora os três pilares, o ator convidado Forest Whitaker disputou no reencontro com seu rebelde Saw Gerrera (mas perdeu na cerimônia do Creative Arts Emmy Awards).

Acredito que estamos em crise. A distância entre o que é dito e o que se sabe ser verdade tornou-se um abismo. De todas as coisas em risco, a perda da realidade objetiva é talvez a mais perigosa. A morte da verdade é a vitória final do mal. Quando a verdade nos deixa, quando a deixamos escapar, quando ela é arrancada de nossas mãos, ficamos vulneráveis ao apetite de qualquer monstro que grita mais alto.

— Mon Mothma

O Massacre de Ghorman estilhaça a ilusão de que seria possível combater o Império apenas por soluções políticas; uma resistência armada e organizada é necessária, e decisões difíceis precisarão ser tomadas pelo “bem maior”. Após o discurso e com ajuda de Cassian, vemos Mon fugindo de Coruscant e tomando seu assento em meio ao Conselho Rebelde, onde viria a assumir seu papel de destaque durante a Guerra Civil Galáctica que acompanhamos durante a trilogia original. Aos poucos, todas as peças vão assumindo seu lugar. 

Rebeliões são construídas com esperança

Em seu último arco, Andor nos mostra os últimos momentos antes dos eventos de Rogue One, com a Rebelião assumindo sua posição como uma força capaz de antagonizar diretamente o Império e o ciclo de Cassian se encaminhando para o fim, com o personagem já consolidado como um agente totalmente dedicado à causa. 

Experiências de Cassian no decorrer da série vão moldá-lo para se tornar o revolucionário que já conhecemos (Foto: Lucasfilm)

Em seu último arco, Andor nos mostra os últimos momentos antes dos eventos de Rogue One, com a Rebelião assumindo sua posição como uma força capaz de antagonizar diretamente o Império e o ciclo de Cassian se encaminhando para o fim, com o personagem já consolidado como um agente totalmente dedicado à causa. 

Mas, apesar de nos apresentar um cenário extremamente opressivo e aterrador, o tema da série sempre se mantém: esperança. A esperança da luta por um mundo melhor, um futuro melhor, mesmo que muitos não vivam para vê-lo. É isso que mantém viva a chama da Aliança Rebelde. Sem magia, sem destino, sem cavaleiros Jedi, ela nos mostra o que acontece quando pessoas comuns atingem seu limite, muitas vezes se sacrificando por uma causa cujo resultado nunca verão. A brutalidade do Império nos revela o verdadeiro preço da Rebelião, construída por sacrifícios silenciosos, mas movida por uma centelha que nunca se apaga.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *