Com o anúncio de Resident Evil Requiem para o início do ano que vem e o retorno iminente às ruínas de Raccoon City, convém olhar para um dos maiores pontos de virada da série, que em 1996 cunhou o termo survival horror. Após um retorno à forma com Resident Evil 7 Biohazard (2017), a desenvolvedora japonesa Capcom se pôs à desenvolver um remake de um dos títulos mais aclamados da franquia, a sequência de 1998 que introduziu ao mundo dos games personagens icônicos como Leon S. Kennedy, Claire Redfield e Ada Wong. A ideia de um remake não era nova: já nessa época um projeto de fãs feito pelos italianos da Invader Studios pretendia modernizar o título ao combinar o foco em terror de sobrevivência com as tendências de ação que os jogos mais recentes abraçaram.
Diferente da recriação do primeiro jogo da série para o GameCube (e posteriormente portada para consoles da atual geração e PCs), o remake de Resident Evil 2 incorpora a câmera em terceira pessoa “over-the-shoulder” introduzida em Resident Evil 4, que popularizou esse formato para grande parte dos jogos de ação que viriam depois. Porém, o inventário limitadíssimo, os zumbis extremamente resilientes e a escassez de recursos se mantiveram, firmando o título num molde híbrido que buscava refinar ainda mais o terror do sétimo jogo e unir o passado e o presente da série para alcançar o seu futuro.

Lançado em janeiro de 2019 para PlayStation 4, Xbox One e PCs, Resident Evil 2 é uma reimaginação fidedigna do clássico de 98, ambientada no mesmo ano, narrando a derrocada de Raccoon City devido ao surto do vírus desenvolvido pela corporação Umbrella. Num cenário apocalíptico, somos apresentados à Leon (Nick Apostolides), um policial novato prestes a ter o pior primeiro dia de trabalho da história e Claire (Stephanie Panisello), uma jovem universitária à procura de pistas que a levem ao paradeiro de seu irmão, Chris (um dos protagonistas do jogo original). Após um encontro fatídico num posto de gasolina e uma entrada explosiva na cidade, os dois se separam e o pesadelo começa.
Ao voltar para o passado da franquia, a Capcom ofereceu tanto a chance de revisitar um de seus capítulos mais marcantes quanto a oportunidade de novos fãs se apaixonarem pela série. Resident Evil 2 é o ponto de entrada perfeito, apresentando as estéticas e mecânicas seu estado mais refinado e acessível, sem precisar de toda a bagagem que as sequências posteriores adicionaram à narrativa geral. Aqui, o trabalho é sobreviver à qualquer custo enquanto os personagens vão lentamente revelando a conspiração por trás do surto do G-Vírus. É uma narrativa extremamente básica, claramente contaminada pela gênese de George Romero sobre o que uma história de zumbis deveria ser, mas que é elevada pelos elementos preservados dos anos 90, e que adicionam um certo nível de camp para o horror brutal de suas imagens, realizadas com fotorrealismo pela poderosa RE Engine.
O charme inegável de seus protagonistas é parte do que confere ao remake sua reputação. Leon, antes de aprender à fazer um suplex nos mortos-vivos, dependia exclusivamente das armas que encontrava largadas por aí e de sua capacidade como químico amador. Claire, matando aulas para uma visita à cidade, têm que assumir o papel de irmã mais velha para uma menina misteriosa já que seus pais estão ocupados liberando um vírus mortal e crescendo olhos em lugares que os olhos não deveriam estar. Os dois passam o jogo inteiro sendo importunados por um gigante de sobretudo preto que os persegue lentamente pelas salas e corredores da delegacia de polícia, imune à quase todos os tipos de bala conhecidos, mas com um chapéu propenso à ser derrubado.

Tão especial hoje quanto era 27 anos atrás, Resident Evil 2 consegue expandir a escala do título anterior ao mesmo tempo que afina todos os elementos mecânicos e temáticos que o tornaram tão popular. Se o primeiro jogo é quem define os preceitos do survival horror pelas próximas gerações, o segundo é aquele que define a mistura específica deles que seria reconhecida como Resident Evil. O surto de mortos-vivos em Raccoon City é o ideal platônico de jogos de zumbi, combinando uma jogabilidade versátil e dinâmica com locações detalhadas, recheadas de segredos e experimentações. A diversão não é apenas sobreviver ao jogo, mas governá-lo: toda vez que você mergulha de volta em suas campanhas, encontra uma nova maneira de usar seus sistemas à seu favor e passar com mais facilidade por suas situações mais assombrosas.
As novas mecânicas introduzidas para modernizar o jogo caem como uma luva sobre suas fundações, voltando à perspectiva em terceira pessoa abandonada brevemente em Biohazard, mas preservando a lentidão e o peso dado aos golpes das criaturas. Resident Evil 2 é um jogo paciente e quase metódico, em que você chega em um novo cômodo, avalia suas ameaças contra os itens presentes no seu próprio inventário e, baseado no risco, decide se vale a pena lutar ou correr. Nenhuma das opções é livre de riscos: apesar de serem eles mesmos lentos, os zumbis são resilientes e a única vantagem de conseguir um tiro em suas cabeças é a pequena possibilidade de um acerto crítico, que significa morte instantânea. Eles irão te surpreender nas horas que você menos espera, deitando quietos até verem a oportunidade de dar uma boa mordida enquanto você passa. Não importa o quanto você esteja armado, a falta de atenção e o pânico são sempre capazes de complicar a situação.

E como se apenas isso não bastasse, os zumbis “normais” são apenas um dos muitos perigos que Resident Evil 2 reserva para seus personagens. O vírus que se apoderou de Raccoon City se estende de cima à baixo, infectando tanto humanos quanto animais, distorcendo suas formas em criaturas grotescas. Entre elas, quase nenhuma é tão aterrorizante ou cômica quanto Mr. X, o gigante de sobretudo e careca enrugada que passa o jogo inteiro na cola dos dois protagonistas. Honestamente, é um pouco difícil não soltar uma boa risada quando ele aparece no canto de um corredor e começa a andar (nunca a correr) na sua direção. Se perca um pouco em sua estética de vilão de giallo e ele vai te acabar com apenas alguns golpes. Apesar de ser relativamente fácil escapar de suas mãos, o estresse de ficar ouvindo seus passos pela delegacia enquanto você procura alguma maldita peça de quebra-cabeça é outro dos grandes prazeres que o título oferece. Aliás, todo o design de som de Resident Evil 2 impressiona, seja no som de suas armas até o grunhido de seus monstros.
A campanha dupla é talvez o ponto mais fraco do título, já que as aventuras de Leon e Claire não são diferentes o suficiente para imediatamente exigir um novo save, mesmo quando o jogo te avisa que o final “verdadeiro” só está disponível após terminar o segundo cenário, qualquer que seja o seu protagonista. Porém, os personagens específicos aos seus heróis são partes importantes da narrativa, com destaque para o romance clichê de Leon com a misteriosa femme fatale Ada Wong (Jolene Andersen). A situationship, que se estende até Resident Evil 6, começa quando Leon inacreditavelmente acredita que ela é uma agente do FBI enviada até Raccoon para encontrar provas do envolvimento da Umbrella com o surto. Claire, por outro lado, encontra com a pequena Sherry Birkin (Eliza Pryor) e, ao invés de descobrir o paradeiro do irmão, acaba numa corrida louca para resgatar a criança de todos os perigos da cidade.
O que mais diferencia as duas campanhas, além da narrativa, é o fato de que a segunda parte assume que você já sabe o básico, então começa já te jogando aos cães (zumbis). É uma experiência intensa, mais curta, e melhor aproveitada sendo jogada imediatamente após a primeira, quando os detalhes estão frescos (alguns dos códigos permanecem – outros mudam). Claire, ainda menos experiente que Leon, consegue obter armas com maior poder de fogo antes, tornando um segundo cenário com ela mais conveniente, apesar de não haver uma campanha canonicamente aceita como “verdadeira”. Honestamente, o que mais encoraja múltiplos playthroughs é a qualidade mecânica de Resident Evil 2 e as várias roupas disponíveis para modificar o look dos protagonistas, dando um charme a mais para cada iteração da aventura.

Além do gênero do survival horror, a influência mais direta de Resident Evil 2 está nos inúmeros remakes que seu sucesso parece ter inspirado, de clássicos há muito pedidos como Silent Hill 2 até títulos mais contemporâneos como Dead Space e The Last of Us Parte I. Apesar da febre de remakes não ser apenas responsabilidade do jogo da Capcom, a sua excelência é claramente inspiração para algumas IPs que estavam paradas há anos, e que acabaram movimentando suas franquias. Não é para menos: jogando Resident Evil 2, é difícil ver um futuro onde ele não inspira todos os jogos que o seguirem até o fim dos tempos.
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