No dia que Helena visita o imóvel que se transformaria em seu futuro mercadinho, Otávio perde o emprego de dez anos. É ainda nesse momento, nos primeiros minutos de Trabalhar Cansa, que os personagens interpretados por Helena Albergaria e Marat Descartes passam a caminhar, gradualmente, em direções opostas. Entre eles, um abismo de frustrações de uma classe média falida.
Dirigido e roteirizado pela dupla de ouro Juliana Rojas e Marco Dutra, o filme de 2011 instiga pela maneira com que infiltra o horror e o fantástico em uma narrativa contida sobre a precarização do mundo do trabalho. Pouco a pouco, enquanto o empreendimento de Helena definha, seu casamento estremece e sua sanidade titubeia, a promessa do sobrenatural cresce em tela, sussurrando para o espectador em cenas que ora remetem ao clichês das assombrações, ora acenam para um futuro As Boas Maneiras.
Quando ganha o título de “dona Helena”, a protagonista de poucos sorrisos assume as rédeas de uma rotina de exploração e desconfiança, seja com os funcionários do mercado ou com a empregada a quem não quis registrar. Com o discurso meritocrático na ponta da língua e o fardo das contas acumuladas de casa, ela apodrece tudo ao seu redor.
Olhando para Otávio, a forma com que Rojas e Dutra trabalham suas alegorias se transforma completamente. Incapaz de manter o papel de chefe de família, o personagem assiste a própria masculinidade forjada se desmanchando pela instabilidade financeira e sua autoestima jogada aos leões na selva que o mercado de trabalho se tornou.
Se Trabalhar Cansa oferece a Helena um final de libertação, seu marido recebe o contrário; a catarse de Otávio é desesperadora, claustrofóbica, quase profética para a São Paulo de 2024. Retratando com um realismo cru a mercantilização das relações humanas e o processo de desumanização numa sociedade capitalista, o drama social, que inclusive foi selecionado para a mostra Um Certo Olhar no 64º Festival de Cannes, se mantém mais atual do que nunca. Infelizmente.
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